Calma, não é erro de ortografia! “Zaralho” é apenas um jargão usado entre os militares para retratar uma situação de bagunça generalizada, mas cai como uma luva para descrever as duas situações em que governos militares deixaram o Brasil (fim da ditadura, em 1984 e a atual). Em 1964, os militares deram o golpe alegando que Jango havia “quebrado” o Brasil, e iriam colocá-lo nos trilhos. E o que ocorreu?
Inflação: 79,9% em 1963 e 215,3% em 1984; PIB: crescimento médio de 3,56% em 1962/63 e queda de -0,32% em 1981/84; dívida externa: US$ 3,6 bilhões em 1963 (15,7% do PIB de US$ 23 bilhões) e US$ 102,1 bilhões em 1984 (54% do PIB de US$ 189 bilhões); salário mínimo: Cr$ (cruzeiros) 42 mil em fevereiro de 1964 (antes do golpe) e Cr$ 166.560 em dezembro de 1984 (considerando a inflação, queda de 47,4% no período).
Em suma, os militares tomaram o poder num país com dificuldades econômicas e o devolveram estraçalhado. E ainda resta claro que o dito milagre econômico durante a ditadura se deu às custas de um brutal arrocho salarial e de um enorme aumento da dívida externa do país.
Economia
O mesmo se repete agora. Deram o golpe em 2016 dizendo que o PT quebrou o Brasil, mas a inflação hoje é maior do que no pior momento do governo Dilma; a gasolina saltou de R$ 3,16 para R$ 7,30; o dólar pulou de R$ 3,48 para R$ 5,70; o número de desempregados saltou de 14 milhões para 24 milhões, que, somados aos 30,2 milhões de trabalhadores precarizados, com renda inferior a 1 salário mínimo, recolocaram o Brasil de volta ao Mapa da Fome.
A destruição do país passa ainda pela criminosa política ambiental, com a expansão do desmatamento na Amazônia e no Cerrado; pelos repetidos ataques à democracia, aos direitos humanos (de indígenas, negros, mulheres, LGBTs etc), aos direitos sociais, ao serviço público, à ciência, à educação e à saúde públicas, culminando com a gestão criminosa da pandemia do coronavírus por generais e coronéis, o que resultou em 22 milhões de brasileiros contaminados, milhões com sequeladoss, e mais de 600 mil mortos. Um verdadeiro “zaralho”.
Ditadura
O fato é que lugar de militar é nos quartéis, de prontidão contra possíveis agressões externas. Mas no Brasil eles se dedicaram a combater seu próprio povo. Quase 60 anos pós-64, uma outra geração da cúpula militar continua fazendo apologia à ditadura, defendendo a tortura e vendo comunismo em todo canto.
Isso ocorre devido à doutrina ministrada nas academias militares, e vai continuar assim, a menos que os segmentos democráticos da sociedade brasileira imponham uma mudança na doutrina militar, acabando de vez com a situação do país vivendo sob a tutela ou a eterna ameaça da caserna.
Quer um exemplo? o TSE, que praticamente elegeu Bolsonaro ao barrar a candidatura favorita de Lula em 2018, votou agora unanimemente contra a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão, mesmo reconhecendo que houve disparos em massa de fake news na campanha bolsonarista de 2018. Mas num arroubo de coragem, cassou o mandato de um deputado do PSL/PR. Por qual motivo: disparo de fake news!!!
Meritocracia ou Militocracia
A cúpula militar que governa o Brasil com Bolsonaro vive pregando a meritocracia como mecanismo de progressão na carreira, mas a admissão da filha mais nova de Bolsonaro no Colégio Militar de Brasília, sem se submeter à seleção, vem se somar ao turbilhão de benesses e privilégios que os militares se julgam no direito de usufruir, como as milhares de boquinhas em cargos civis, a dupla remuneração (extrapolando o teto), a aposentadoria integral, etc etc.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia
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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital