Exportação de minérios in natura, sempre foi priorizada, em detrimento da industrialização em solo nacional, com agregação de valor, geração de empregos e renda
J. B. Pontes (*)
A história da mineração no Brasil é de pilhagens dos nossos recursos naturais por grandes potências internacionais e suas empresas, com a conivência de autoridades brasileiras. Isso foi facilitado, em parte, pelo total desinteresse da nossa sociedade e a pouca atenção da mídia sobre a relevância das nossas riquezas e a realidade de sua exploração. A exportação de minérios in natura foi sempre priorizada, em detrimento de um projeto de industrialização em solo nacional, com agregação de valor aos minérios, geração de empregos e muito mais renda.
No ciclo colonial, destacou-se a mineração de ouro e diamante, levados para Portugal. Posteriormente, a mineração passou a ser no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, com as minas de ouro e de ferro, da qual fica para nós a degradação ambiental e os graves acidentes, como os recentes rompimentos de barragens de rejeitos.
Na Amazônia, o primeiro grande empreendimento minerário ocorreu no Amapá, com o manganês de alta qualidade da Serra do Navio, minério estratégico empregado na siderurgia. No simulacro de concorrência feita pelo então governador do ex-Território Federal, a exploração das jazidas foi concedida à empresa nacional ICOMI sem nenhuma condição técnica ou financeira para levar avante o projeto. No primeiro contrato firmado, a ICOMI obrigou-se a pagar ao governo do Amapá 4% do valor da venda do minério e a investir 20% do lucro líquido em novas empresas e atividades no Território. Isso gerou enorme euforia, diante da possibilidade de um grande surto de desenvolvimento econômico e social naquela área.
Pela falta de capacidade técnica e financeira, a ICOMI logo se associou à norte-americana Bethlehem Steel Company, grande produtora de aço. Em seguida, pleiteou empréstimo junto ao Eximbank, obtido mediante aval do “bondoso” governo norte-americano, que deu garantias de que, no mínimo, 5,5 milhões de toneladas do minério seriam adquiridas pela agência estatal encarregada de manter os estoques de matérias-primas estratégicas para os EUA. Uma das exigências do Eximbank foi que as receitas oriundas das vendas aos EUA seriam usadas para o pagamento do empréstimo, e que, nesse período, a empresa suspenderia a aplicação no Amapá de 20% do lucro líquido. Exigências aceitas pela empresa e pelo governo brasileiro.
Cerca de 60 milhões de toneladas de manganês extraídas da Serra do Navio foram avidamente exportadas, a preços pífios, para os EUA, durante 50 anos, numa verdadeira “transferência de mina”. Em 1997 a ICOMI encerrou as atividades. Pouco depois, em 1999, a empresa foi acusada, por Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Amapá, de não ter cumprido as cláusulas contratuais em relação aos cuidados com o meio ambiente e pela falta de conversão de parte do lucro em benefícios sociais para o Estado.
Esse ciclo se fechou sem qualquer registro na imprensa ou interesse da sociedade. No entanto, não aprendemos as lições dessa experiência malsucedida, vez que o mesmo cenário está desenhado para a maior província mineral do mundo, a Serra de Carajás – rica em ferro, manganês, níquel, zinco, cobre, ouro, prata, bauxita, cromo, estanho, tungstênio e urânio (assunto do próximo artigo).
Adiantamos que a Vale, detentora da concessão das minas da Serra de Carajás, hoje é a segunda maior empresa do Brasil e a terceira mineradora do mundo. Seu valor de mercado está avaliado R$ 300 bilhões. No segundo trimestre de 2021, registrou lucro líquido de R$ 40 bilhões. E a estatal Companhia Vale do Rio Doce, que antes desenvolvia o empreendimento e as minas de ferro de Minas Gerais, foi vendida, em 1997, por apenas R$ 3,3 bilhões, como parte do programa de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso. Um verdadeiro crime de lesa Pátria.
(*) Geólogo, advogado e escritor