Com a vossa vênia, caro leitor, vou deixar, temporariamente, de lado a política e a economia e tratar de assuntos mais deleitosos: samba e futebol. Como todo brasileiro, sou um apaixonado por futebol e por música. E, como carioca, neste último quesito, por samba. Todo início de dezembro sou tomado por muita emoção, pois além d’eu comemorar o aniversário de minha caçula Ana Laura (10 anos), também comemoro o Dia Nacional do Samba (2 de dezembro). E, ainda, comemoro se meu time escapou de ser rebaixado ou, pelejando muito, retornou à série A, o que desgraçadamente não ocorreu neste. Ganha uma mariola quem adivinhar qual é o meu time!
O samba, ritmo que mais projeta a cultura musical brasileira mundo afora, já nos lembrava Vinícius de Moraes, nasceu lá na Bahia. Sim, lá pelos meados do século XIX, nas rodas de samba realizadas pelos escravos em seu escasso tempo de descanso, ritmo que foi levado para os terreiros e as nascentes favelas do Rio de Janeiro no fluxo migratório pós 1888, se consolidando a partir das décadas de 1920/30, com os desfiles das escolas de samba e a sua difusão pelas ondas do rádio.
Vasco da Gama
É coincidentemente nesse período que o futebol penetra na alma do brasileiro e, em particular, do carioca. Neste quesito, um clube fez a ligação entre o morro e o campo de futebol: o Vasco da Gama. Fundado em 1898, já em 1904 elegia como seu presidente o negro Cândido de Araújo. Em 1924, após estrear e vencer o campeonato carioca de 1923, recebeu da Federação e dos demais clubes a determinação de excluir de seu elenco 12 jogadores analfabetos e/ou de “classes inferiores” (operários), todos negros. E rechaçou veementemente, sendo excluído da Federação. Sim, naquela época o futebol era praticado por jovens da elite carioca.
É a sua origem e atos históricos contra o racismo que explicam a umbilical relação entre o Vasco e o samba. Embora tenha, como diz seu hino, “uma imensa torcida”, não deixa de impressionar a quantidade de notáveis sambistas negros torcedores do Vasco. Os portelenses Paulinho da Viola, Zé Ketti, Natal, Paulo da Portela, Agepê e Teresa Cristina; os mangueirenses Jamelão, Carlos Cachaça, Delegado, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho e Xangô da Mangueira. Martinho da Vila, Noel Rosa e Martinália, da Vila Isabel; Dona Ivone Lara e Jovelina Pérola Negra, do Império Serrano; Paulinho Mocidade e Mestre André, da Mocidade de Padre Miguel; Preto Jóia, da Imperatriz Leopoldinense; Ismael Silva, da Estácio; Pinah, da Beija Flor. Como também cruzmaltinos são muitos outros negros não vinculados às escolas ou exclusivamente ao samba, como Clementina de Jesus, Luís Melodia e Gonzaguinha.
MPB
Mas também são vascaínos muitos outros da fina flor da MPB, não negros: Aldir Blanc, Edu Lobo, Fernanda Abreu, João Gilberto, Raul Seixas, Tim Maia, Francis Hime, Wagner Tiso, Rui e Magro (do MPB4), Nara Leão, Roberto e Erasmo Carlos, e a turma do rádio: Lúcio Alves, Doris Monteiro, Araci de Almeida e Dalva de Oliveira. E também nomes notáveis da literatura (Carlos Drummond de Andrade, Rubem Fonseca, Raquel de Queiroz, Paulo Coelho, João Ubaldo); do humor: (Chico Anísio, Jaguar, Renato Aragão, Caruso); do cinema e da TV (Sônia Braga, Tônia Carrero, Jorge Dória, Miguel Falabela, Chacrinha), e da política: Lula, JK, Vargas e Jango, além do rei do futebol, Pelé.
Aos que torceram o nariz, perdão, mas tomem como uma espécie de ato de desagravo pelo que o Vasco vem sofrendo em decorrência de sucessivas e desastrosas diretorias.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital