Júlio Miragaya – Foto: Michael Melo/Metrópoles
Júlio Miragaya (*)
Mal foi proclamada a vitória de Lula, o Brasil foi surpreendido com a nervosa reação do “Mercado” ante o discurso do presidente eleitode que vai priorizar acabar com a fome no País. Sim, para investidores e especuladores financeiros, o governo deve priorizar o controle dos gastos sociais (teto de gastos), condição para manterseus ganhos astronômicos, pois colocar comida no prato de famílias na linha da pobreza e acabar com a fome que assola 33 milhões de brasileiros atrapalham seus planos.É isso que está em disputa, antes mesmo de Lula assumir a Presidência da República.
Ao ser cobrado pelo “Mercado” sobre a manutenção da Regra de Ouro, Lula respondeu que a verdadeira regra de ouro é “comida na mesa do povo”. O “Mercado” reagiu indignado. Ele que cobra a manutenção do teto de gastos, mas fez vista grossa diante dos inúmeros furos feitos no ‘teto’ por Bolsonaro, assim como fez em relação à PEC Kamikaze, ao Orçamento Secreto, aos gastos eleitoreiros etc.
Certas certezas do “Mercado” são pura ficção, como a de que a estabilidade financeira automaticamente traz crescimento econômico e, consequentemente, melhora a vida dos mais pobres. Ora, foi exatamente o oposto que ocorreu, por exemplo, no desgoverno Temer.
Equilíbrio fiscal, para o “Mercado”,é a garantia de que não vai faltar dinheiro para o pagamento dos juros da dívida pública, que em 2022 deverá somar R$ 700 bilhões, 4 vezes mais que todos os programas sociais que Lula pretende implementar – Bolsa Família de R$ 600,com adicional de R$ 150 por criança até 6 anos; aumento real do salário mínimo; remédios para a Farmácia Popular; reajuste na Merenda Escolar, que garanta alimentação que não comprometa o aprendizado das crianças; dinheiro para o SUS e para as universidades públicas; fim do represamento do BPC etc.
O que o “Mercado” precisa entender é que Lula foi eleito pela maioria dos brasileiros e que deve atender os compromissos que assumiu na campanha. E eles não foram com os banqueiros, mas com os que passam fome; não foram com os ruralistas e empresários que financiaram atos antidemocráticos e bloqueios nas rodovias, mas com os agricultores familiares e com os milhões de trabalhadores que sofrem com a precarização dos empregos promovida pela Reforma Trabalhista.
Lula foi eleito pela grande maioria dos trabalhadores e dos pobres, dos que mais precisam da ação do Estado para saírem da situação de miséria e pobreza em que foram jogados. E são eles que devem ser priorizados pelas ações do governo.
Lula deve olhar, sobretudo, para os 24 milhões de eleitores residentes em domicílios com rendimento médio mensal de até 3 mínimos que votaram em Bolsonaro (40% de seus eleitores), pessoas que aprovavam seu governo de 2003/10, mas que foram assoladas pela demonização do PT pela grande mídia e ludibriadas por pastores “vendilhões do templo”, pelo “pacote de bondades” de Bolsonaro e eleitoralmente assediados pelos patrões. Trazendo esta turma de volta, o jogo passa de 51 x 49 para 70 x 30.
Tutelas
além da tentativa de tutela por parte do “Mercado”, de empresários inescrupulosos, latifundiários “barra pesada” e das já enfadonhas tentativas de tutela por parte das Forças Armadas, neste momento exoradas por patéticas vivandeiras, Lula deverá sofrer também forte pressão por parte das forças reacionárias do Congresso Nacional. Todas elas o “autorizam” a promover mudanças, desde que mantenha tudo como está.
Os bloqueios de rodovias e os atos “patetrióticos” diante dos quartéis, financiados por empresários e ruralistas sob os olhares complacentes da direção da PRF e do comando das FFAA, antecipam o grau de dificuldade que terá o governo Lula em implementar as políticas públicas necessárias para melhorar a vida do povo e reconstruir o Brasil.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia