Júlio Miragaya (*)
Nas eleições em dois turnos, costuma-se dizer que, no primeiro, se vota no candidato de sua preferência, e, no segundo, no que você mais se identifica entre os dois finalistas. Mas não é bem assim. Em certos casos, o voto num candidato sem chances no primeiro turno pode ter consequências desastrosas. Um bom exemplo foi a recente eleição presidencial francesa. Macron teve 27,9% dos votos no 1º turno, Le Pen teve 23,2% e Melenchon, 22%. O PS, PCF e Verdes não tinham a menor chance, mas se recusaram a marchar junto com Melenchon e tiveram 8,7% dos votos. Se tivessem apoiado Melenchon, ele teria passado ao 2º turno, provavelmente à frente de Macron.
No Brasil, tal papel está sendo desempenhado pelas candidaturas de Ciro e Simone. No Datafolha de 9 de setembro, Ciro apareceu com 7%, Simone com 5% e Soraya e D’Ávila com 1%, totalizando 14% para os chamados candidatos da 3ª via. Do 1º para o 2º turno, Lula cresce 8% (de 45% para 53%) e Bolsonaro cresce 5% (de 34% para 39%). Pode-se inferir que, se os 2% de Soraya e D’Ávila vão para Bolsonaro, os votos de Ciro e Simone vão em larga maioria para Lula (8%) e em menor proporção (3%) para Bolsonaro. Caso Lula receba, já no 1º turno, apenas ¼ dos votos de Ciro e Simone, saltaria para 48%, e venceria no 1º turno, mesmo que todos os demais votos fossem para Bolsonaro, pois todos os demais candidatos somariam 45%.
Mas o que diz ou faz, principalmente Ciro? Ataca Lula mais que a Bolsonaro, embora seu eleitorado seja majoritariamente de centro-esquerda e antibolsonarista. E por que razão age assim? Porque é pretensioso e se acha o único preparado para comandar o Brasil. Está em sua quarta candidatura à presidência (teve 11% dos votos em 1998, 12% em 2002 e 12,5% em 2018), mas, ao contrário de Lula, Allende e Miterrand, que concorreram várias vezes antes de vencer uma eleição, sempre pelo mesmo partido, Ciro já está no sétimo partido: Arena/PDS, MDB, PSDB, PPS, PSB, PROS e agora PDT.
Aliás, por que a direção do PDT aceita tal comportamento de Ciro contra o PT, histórico aliado? Será que Ciro e Simone não enxergam o que ocorre no País e o risco disso continuar por mais 4 anos? Certamente viram o descarado uso eleitoral por Bolsonaro da comemoração do bicentenário da independência, colocando o sonegador e golpista Véio da Havan entre ele e o presidente de Portugal, assim como viram as FFAA colocarem tratores dos ruralistas junto aos tanques e blindados. Bolsonaro não se furtou a usurpar a data e a bandeira nacional para fazer um discurso chulo, se vangloriando de ser “imbrochável”, no nível de seu aliado Collor, que dizia “ter aquilo roxo”. A ponto de o jornalista Josias de Souza concluir que “se as instituições estivessem funcionando, Bolsonaro não estaria cometendo crimes em rede nacional de TV”.
Ciro e Simone não vêm que Bolsonaro gerou a maior crise econômica-social-política-institucional-moral de nossa história? Que recorre ao jargão Deus-Pátria-Família para encobrir seu fracasso? Que tenta desacreditar as urnas eletrônicas e protestou contra a proibição do uso do celular na cabine, pois queria que os eleitores fotografassem o voto para provarem aos milicianos e patrões em quem votaram? Esqueceram dos 685 mil mortos na pandemia? Dos 33 milhões de brasileiros passando fome? Do Orçamento Secreto, “rachadinhas”, negociação pela família de 107 imóveis, propina nos Ministérios da Saúde e da Educação e na Codevasf? E tudo com sigilo de 100 anos? Não vêm entre seus aliados, velhacos como Roberto Jefferson, Eduardo Cunha e Collor ao lado de novos bandidos como Queiroz e Silveira?
Um 2º turno se dará num cenário de ameaças golpistas e transgressões da lisura eleitoral!
Portanto, são duas semanas para os eleitores de Ciro e Simone constatarem que o voto neles, sem a mínima chance de irem ao 2º turno, é absolutamente inútil. E o pior: põe em risco a nação e o povo brasileiro.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia