Júlio Miragaya (*)
Em menos de duas semanas os mais de 156 milhões de eleitores brasileiros dirão que país desejam para os próximos quatro anos, do mesmo modo que recentemente decidiram eleitores do Chile e da Colômbia: um governo de direita, liberal na economia e conservador nos costumes, ou um governo de esquerda, em que o Estado atua como indutor do desenvolvimento e na proteção social dos mais pobres.
A julgar pelos resultados das pesquisas mais qualificadas, a tendência é de que os brasileiros sigam a “onda” que embalou a maior parte da América Latina. Hoje, a vontade da grande maioria dos povos latino-americanos é inquestionável: dos sete países mais populosos e de maior importância econômica (Brasil, México, Argentina, Colômbia, Peru, Venezuela e Chile), apenas o Brasil é governado pela direita.
Também em alguns países menores (Bolívia, Cuba, Honduras e Nicarágua) governos de esquerda estão no comando. E caso Lula vença a eleição, nada menos que 86% da população latino-americana estará sob governos de esquerda. Esta “onda vermelha” é reflexo do mais absoluto fracasso da aplicação de programas liberais no continente, que só aprofundaram o desemprego e subemprego, a miséria e a fome.
Claro que as forças conservadoras se mantêm fortes na região. Afinal, contam com o sólido apoio do imperialismo norte-americano, que na Colômbia jogou todas as fichas para derrotar Petro, assim como o fez no Chile. Mas o próprio imperialismo “ianque” vem sendo acuado pelo enorme dinamismo da economia chinesa.
Após perder para a China a hegemonia no comércio asiático no século passado, nestas duas primeiras décadas do século XXI foi deslocado também no continente africano e na América Latina. O mundo unipolar pós queda do Muro de Berlim não mais existe, e a guerra na Ucrânia é expressão desta disputa fraticida.
O Brasil é o país economicamente mais forte da região e, juntamente com México, Argentina e Colômbia, pode avançar na proposição de um modelo de desenvolvimento que rompa com a total subordinação ao capital financeiro; que lance as bases da reindustrialização regional; que “corte as asinhas” do agronegócio predador; que tribute efetivamente os mais ricos, fonte de recursos para implementar políticas de proteção social; e que avance na consolidação da verdadeira democracia, com ampla participação popular.
Não obstante a péssima situação econômica e social em que o Brasil se encontra após a tragédia de quatro anos de desgoverno Bolsonaro, as condições políticas interna e externa são hoje mais favoráveis do que há vinte anos para que se avance na implementação de políticas que efetivamente promovam uma transformação social no país. Este é o desejo da ampla maioria do povo brasileiro, inclusive de boa parte daqueles que votam em seus algozes.
Bolsonaro no funeral da rainha
Após a pajelança promovida no 7 de Setembro, Bolsonaro conseguiu se superar ao participar do funeral da rainha Elisabeth II, em Londres. Levou a tiracolo o pastor 171 Malafaia, usou a sacada da residência do embaixador brasileiro como palanque, esbravejou contra jornalistas e xingou o ex-presidente Lula.
Ignorado, como sempre, pela quase totalidade dos chefes de Estado do mundo inteiro, Bolsonaro parece viver os últimos dias do sonho de ter exercido a presidência de um dos principais países do planeta. Sonho para ele e sua família. Pesadelo para a maioria dos 215 milhões de brasileiros.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia