Era o comunismo em 1848, segundo o Manifesto Comunista de Marx e Engels. Se hoje é o espectro da extrema-direita que ronda o Velho Mundo, deve-se ter cautela nas conclusões. Inicialmente, considerar que as recenteseleições para o Parlamento Europeu foram ignoradas por metade dos eleitores(taxa média de abstenção de 50%). E embora a votação na extrema-direita tenha crescido, a tão propalada enxurrada de votos não ocorreu.
Os dois blocos de extrema-direita (ECR e ID), junto com os partidos de extrema-direita desgarrados, passaram de 158 para 189 cadeiras (em 720), crescendo de 22,4% para 26,2% do total. Conservadores/liberais conquistaram cerca de 38% das cadeiras e os três blocos de centro-esquerda, cerca de 33%.
Mas o que vemos são alguns políticos (e analistas) alarmarem os europeus para o perigo que os cercam, quando, na verdade, o crescimento da extrema-direita decorre de suas políticas neoliberais e da retirada de conquistas sociais. A política econômica e social da extrema-direita europeia não difere muito da praticada por conservadores, liberais, verdes e social-democratas: austeridade fiscal e redução da proteção social.
A diferença é o discurso antidemocrático, xenofóbico, negacionista, fundamentalista cristão, nacionalista e eurocético, que encontra eco diante das hesitações e traições dos social-democratas quando estão no poder.
Não por acaso, o crescimento da extrema-direita se deu principalmentena França e na Alemanha, os dois países que mais avançaram nas reformas liberais (desmontando o chamado Estado de Bem-Estar Social que foi erigido no pós-guerra) e que comandam a submissão europeia ao imperialismo norte-americano no conflito Rússia versus Ucrânia e no massacre em Gaza.
Na França, a direita, capitaneada pelo Renaissance de Macron, foi massacrada, refluindo de 37% dos votos nas últimas eleições legislativas para 22,8%, queda de 14 pontos percentuais. A maior parte desse eleitorado foi para a extrema-direita, que avançou de 23% para 36,8%, mas a esquerda e centro-esquerda também cresceram, de 25,7% para 31,6%. É o embate previsto para as eleições em 30 deste nês.
Na Alemanha, o Partido Social-Democrata de Scholz (no poder) tombou de 25,7% para 13,9%. Seus aliados liberais despencaram de 14,5% para 5,2% e os Verdes também perderam. Já a extrema-direita (AfD) subiu de 10,3% para 15,9%, crescimento similar ao dos democratas cristãos, que alcançaram30% dos votos. Também a esquerda (DL e BSW) cresceu, avançando 4 pontos, para 9%.
Na Itália, a extrema-direita (Irmãos de Itália, Forza Itália e Liga Norte), no poder, cresceu 3,5 pontos, para 47%. Mas quem mais cresceu foi a esquerda e centro-esquerda, de 26% para 33%. Em queda, conservadores e liberais. Na Espanha, a extrema-direita (Vox e Salf) cresceu 2 pontos, para 14%. Já o PSOE e o conservador PP se mantiveram um pouco acima de 30%,e quem perdeu foi a esquerda (Sumar e Podemos), com queda de 4 pontos.
E quanto aos países europeus menores? Em Portugal, o Chega, de extrema-direita, despencou de 18,1% para 9,8%. O PS, junto com a esquerda e os Verdes, fez 45% dos votos. Nos Países Baixos, a extrema-direita perdeu 4,4 pontos percentuais (de 28% para 23,6%), assim como conservadores e liberais. Centro-esquerda, esquerda e Verdes cresceram de 25% para 38%.
Na Bélgica, a extrema-direita, concentrada na região de Flandres,avançou 2,5 pontos, para 28,5%, mas a esquerda e centro-esquerda, forte na Valônia (língua francesa), manteve-se com 26% do eleitorado. E na Áustria a extrema-direita (FPO) cresceu de 16% para 25%, assim como a esquerda e centro-esquerda, de 22% para 26%. Verdes caíram 3 pontos e conservadores/liberais despencaram de 46% para 35%.
Mas é na Europa Oriental (Polônia, Hungria, Tchéquia, Eslováquia e países bálticos) que a extrema-direita reina, onde a passagem do “socialismo” para o capitalismo só não foi mais rápida que a passagem do stalinismo para o protofascismo. Na Hungria, o Fidesz de Oban obteve 45% dos votos, mas caiu 7 pontos. Na Polônia, o Lei e Justiça de Kaczyuski perdeu 10 pontos, mas o Konferencja ganhou 8, mantendo a extrema-direita metade do eleitorado polonês. Na Tchéquia, a extrema-direita manteve-se com 30% dos votos, assim como na Eslováquia.
Já na Escandinávia (Suécia, Dinamarca e Finlândia) e Irlanda, dos 65 deputados para o Parlamento Europeu, a extrema-direita elegeu apenas 5. E nos países dos Balcãs (Croácia, Eslovênia, Roménia, Bulgária, Grécia e Chipre), que elegeram 98 deputados, a extrema-direita elegeu apenas 11 (5 pelo romeno AUR e o 3 pelo búlgaro Vazrashdane, partidos ultranacionalistas ortodoxos e pró-russos).
Por fim, deve-se assinalar que nos principais países europeus fora da União Europeia, a extrema-direita só tem expressão na Suíça, sendo que na Noruega tem pouco mais de 10% do eleitorado e na Grã-Bretanhapraticamente inexiste.