Quando o Congresso aprovou por ampla maioria a Reforma Tributária, alguns membros do governo comemoraram efusivamente, falando que finalmente estávamos fazendo justiça tributária. Nada mais falso. O texto aprovado trata apenas da simplificação e racionalização tributária, necessária, mas que não toca na regressividade do sistema. Por isso, os mesmos deputados e senadores da direita (Centrão e agregados) que derrubaram o veto de Lula às esdrúxulas desonerações fiscais e ao criminoso marco temporal, votaram em peso na RT (exceto os do PL, que votamcontra, por “birra”).
São eles e quem eles representam (a burguesia) quem tem motivos para comemorar. Dias depois, o Ibovespa alcançou o maior patamar da história (132.750 pontos) e o dólar caiu para R$ 4,86. Já a agência de risco S&P elevou a nota do Brasil para BB, alegando que a RT se juntou às reformas pragmáticas que vêm sendo feitas há 7 anos, referindo-se às reformas feitas por Temer e Bolsonaro, como a Trabalhista e a Previdenciária. Precisa dizer algo mais? Quem terá motivos para comemorar o arcabouço fiscal, o déficit zero?
É fato que a economia tem tido bom desempenho. O PIB vai crescer cerca de 3%; a inflação vai fechar o ano em 4,35% (abaixo do teto da meta de 4,75%); a taxa de juros (11,75%) está caindo; a balança comercial terá saldo recorde de quase US$ 100 bilhões e o país teve uma safra de grãos recorde, de 323 milhões de toneladas. Mas a economia de um país estar indo bem não significa que esteja sendo bom para todos. Basta recordar o “milagre econômico brasileiro” de 1968/73.
Perdão pela lembrança incômoda, companheiros ufanistas, mas este ano transferiremos R$ 680 bilhões aos megainvestidores a título de pagamento de juros da dívida pública; outros R$ 500 bilhões na forma de isenções tributárias (R$ 300 bilhões sem qualquer contrapartida econômica ou social) e concederemos “tributação zero” aos mais de R$ 600 bilhões de lucros distribuídos aos proprietários e acionistas de empresas.
Diante disso, paremos de comemorar o valor do salário mínimo, enquanto (mesmo com os aumentos reais concedidos por Lula) for o quinto pior da América Latina, 29% abaixo do paraguaio e 23% abaixo do boliviano. Paremos de comemorar um “Bolsa Família” de míseros R$ 600; um suposto sucesso no mercado de trabalho enquanto tivermos 11,8 milhões de desempregados (incluindo 3,5 milhões por desalento) e a maioria do pessoal ocupado na informalidade e em subempregos; e apenas 37% com carteira assinada.
Paremos, sobretudo, de comemorar uma pífia melhora na distribuição de renda enquanto os dados mostrarem que o Brasil tem a segunda maior concentração de renda e riqueza do planeta, atrás apenas da África do Sul;que 29% da renda e 49% da riqueza estão nas mãos do 1% mais rico,enquanto os 50% mais pobres detêm 10% da renda e míseros 0,4% da riqueza.
Paremos de celebrar tão modestos resultados enquanto 66 milhões de brasileiros (31,6% da população) estão abaixo da linha de pobreza e 12,6 milhões na extrema pobreza, com renda de miseráveis R$ 200/mês. Não há nada mais despolitizado (e constrangedor) que ver lulistas exaltando “a volta da picanha e da cerveja”. Mais que fazer a cândida alegria dos biriteiros e dos amantes do churrasco, o aumento no consumo de cerveja e picanha faz a alegria e jorra bilhões nos bolsos de alguns dos empresários mais picaretas do País: Lemann, Telles e Sicupira, donos da Ambev (fortuna conjunta de R$ 200 bilhões) e a família Batista, da JBS.
Deixemos a picanha e a cerveja de lado e trabalhemos para podermos comemorar o que realmente importa: quando o Brasil não tiver 13,7 milhões de crianças sem ingerir alimentos suficientes; quando não tiver 12,6 milhões de jovens de 18 a 24 anos (36%) na condição de “nem estuda nem trabalha”;quando não tiver 227 mil pessoas morando nas ruas (aumento de 935% nos últimos 9 anos); quando não tiver meio milhão de crianças de 5 a 13 anos no trabalho infantil recebendo R$ 246 mensais.
O combate à desigualdade esteve presente 22 vezes no discurso de posse de Lula. Não pode virar letra morta. Ah! Mas só tem um ano! Sim, mas já foram 13 anos lá atrás (2003 a 2015) e mudança real na perversa estrutura social do país não ocorreu. Não devemos tapar o sol com a peneira.
Pesquisa recente revelou que mais de 90% dos que votaram em Bolsonaro não mudariam seu voto hoje. E a grande maioria de seus eleitores são pobres. Não importa se são evangélicos, brancos ou sulistas, mudarão se enxergarem nos atos do governo a possibilidade de melhorarem, de fato, sua vida.