Júlio Miragaya ( * )
Qual o propósito das preconceituosas e espúrias declarações do governador Romeu Zema, de Minas Gerais, em relação ao Norte-Nordeste do Brasil? E das declarações do governador Tarcísio de Freitas, de São Paulo, apoiando integralmente a ação da PM/SP no litoral paulista que resultou em 16 mortes de jovens pobres e negros?
Certamente, ambos estão buscando atrair as simpatias do chamado eleitor “bolsonarista raiz”, esta enorme parcela da sociedade brasileira que se notabiliza por uma percepção individualista do mundo (o sucesso deriva unicamente do esforço individual, a tal meritocracia), pela aversão ao Estado e à qualquer organização (partido político, sindicato, associação de moradores, ONGs etc), assim como por duas, três ou a totalidade desses sentimentos/comportamentos: machista, xenófobo, aporofóbico, racista, misógino, homofóbico, militarista e intolerante religioso.
Alguns estimam os “bolsonaristas raiz” em 30% do eleitorado, outros um pouco mais ou um pouco menos. Desconsiderando a burguesia e a classe média alta, mais antipetista que bolsonarista (mas pouco numerosa), este eleitor “bolsonarista raiz” está mais concentrado no segmento masculino, branco, entre 30 e 40 anos de idade, ensino médio, pequeno/médio empresariado ou autônomo, evangélico e morador do Centro-Sul do País. Na realidade, “bolsonarista raiz” é um termo inapropriado, afinal, estes “homens e mulheres de bem” sempre estiveram presentes em nossa sociedade.
Eram os integralistas da década de 1930 que se excitaram com a ascensão do fascismo na Europa; eram os lacerdistas que na década de 1950 combateram Vargas e tentaram um golpe militar contra JK; eram os que em 1964, no Rio, São Paulo e em todo o país estiveram nas “Marchas das famílias com Deus pela liberdade” contra o “comunismo de Jango”; eram os que apoiaram o regime militar e suas atrocidades por 21 anos. Após a queda da ditadura, estiveram meio que órfãos, sem expressão política própria, adotando políticos conservadores como Maluf, Collor e ACM e, mais à frente, depositando seus votos em políticos liberais, como Serra em 2010 e Aécio em 2014.
Mas vieram as manifestações de 2013, inicialmente contra os gastos para a Copa de 2014 e contra os aumentos nas passagens de ônibus, e a direita soube aproveitar o momento de instabilidade do Governo Dilma e as transformaram em manifestações antipolíticas, e logo, em antipetistas. Seguiu-se a renhida campanha de 2014 (com o País já dividido entre vermelhos e amarelos), a pauta bomba de Cunha, os graves erros de Dilma na condução da Política Econômica, a Lava-Jato, o golpe de 2016 e a assunção de Temer.
Com a criminalização do PT e da esquerda em geral (PSOL, PCdoB, sindicatos, MST, MTST etc) pela grande mídia, com Lula encarcerado, estava pavimentado o caminho para a ascensão da extrema-direita. Bolsonaro colheu os frutos deste quadro, mas não sem que a esquerda demonstrasse que estava viva, com os 47 milhões de votos obtidos por Haddad.
Após um governo ultraconservador, Bolsonaro uniu suas tropas para o embate eleitoral de 2022, mas apesar do apoio da classe dominante (burguesias financeira, industrial e agrária), viu que o eleitorado de extrema direita era insuficiente para reelegê-lo. Fez então uso escancarado da máquina do Estado, avançou sobre parcelas das classes D e E, mas não o bastante para derrotar Lula. Após a derrota, veio a “fuga” para os EUA, uma enxurrada de denúncias e a decretação de sua inelegibilidade.
Com Bolsonaro fora do páreo em 2026, políticos bolsonaristas disputam o espólio do “mito”, mas sem cometer os erros que ele cometeu, notadamente o afastamento do eleitor de direita menos conservador ou reacionário. Mas a matemática é difícil, pois se para buscar este eleitor devem amenizar o discurso extremista, com isso afastam o direitista mais radical. Este é o dilema de Tarcísio, Zema, Caiado e outros que sonham com o Planalto em 2026. É o que lhes tira o sono, além, é claro, dos sucessos desses primeiros sete meses do Governo Lula.
À Lula resta governar para a maioria da população que o elegeu e buscar atrair, com a implementação de Políticas Públicas, cerca de 40% do eleitorado de Bolsonaro (20% do total), pessoas da classe trabalhadora que votaram na direita pela força da mídia, redes sociais e igrejas. E jamais se iludir com os tais 83% de aprovação de seu 2º governo em 2010.
Júlio Miragaya, doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia