No final do século XIX, o ditador mexicano Porfírio Diaz proferiu a célebre frase: “Pobre México. Tão longe de Deus, tão perto dos EUA!” Referia-se às inúmeras mazelas que o poderoso vizinho impusera ao seu país, começando pelo “roubo” de 2,53 milhões de Km², 56% de seu território (possuía 4,5 milhões de km² em 1835 e ficara reduzido a 1,97 milhões de Km² em 1848).
A proximidade com os EUA continuou sendo um pesadelo para o México ao longo do século XX (boicote ao governo progressista de Lázaro Cárdenas, sustentação do corrupto PRI, adesão ao NAFTA), culminando hoje nos milhões de mexicanos e seus descendentes tratados como cidadãos de segunda classe ou ameaçados de deportação pelos EUA.
Drama semelhante viveram vários presidentes eleitos no Brasil em suas relações com as Forças Armadas. Começando com Vargas, levado ao suicídio em 1954, passando por JK, cuja posse só foi garantida em 1956 pela ação do Marechal Lott e culminando com Jango, acossado desde 1961 e deposto em 1964.
Mesmo após o fim da ditadura militar, a imposição do Artigo 142 da CF é interpretado por eles como direito a incursões na política. Com a posse de Lula em 2003, militares, inclusive da ativa, criticaram abertamente políticas públicas do governo (proteção da Amazônia, política indigenista, de cotas etc).
Após a eleição de Dilma, o quadro se agravou, com a contestação da Comissão da Verdade, saudações ao golpe de 1964 e defesa escancarada do impeachment. Em 2018, quando Lula liderava as pesquisas, o infame tuíte do general Villas-Boas ameaçando o STF barrou o habeas corpus e levou à prisão de Lula, abrindo caminho para a eleição de Bolsonaro.
No desgoverno Bolsonaro vieram as “boquinhas” para 8 mil militares em cargos civis, iniciou-se um verdadeiro festival de incompetência e corrupção, culminando nos questionamentos às urnas eletrônicas. Após a derrota de Bolsonaro, o país assistiu à absurda tolerância dos comandos militares com os acampamentos golpistas diante dos quartéis. Do acampamento do QG em Brasília partiram os terroristas que promoveram o caos no dia da titulação de Lula (12/12) e tentaram explodir um caminhão-tanque no aeroporto da cidade.
Mesmo após a posse, a insubordinação persistiu. O comandante do Exército, general Arruda, permitiu a continuação da “incubadora de terroristas” no QG, não acionou o Batalhão da Guarda Presidencial para proteger o Palácio do Planalto e colocou tanques para impedir que a PMDF, já sob intervenção federal, cumprisse uma ordem judicial, prendesse os terroristas que haviam retornado ao acampamento.
E, pasme-se, se recusou a reverter a nomeação do coronel Cid, investigado por sacar dinheiro do cartão corporativo para financiar atos golpistas. Lula, com razão, disse que “as FFAA não são o poder moderador que pensam ser” e que “perdera a confiança em parcela dos militares”. Sensação de estar dormindo com o inimigo.
Lula demitiu o general Arruda e nomeou o general Tomás Paiva para o comando do Exército. Seu discurso em 18/01 foi recebido com entusiasmo pela grande mídia. De fato, ele declarou que as FFAA têm que respeitar o resultado das urnas. Mas suas declarações trazem dois vícios encastelados na doutrina militar. Ao dizer que “nós vamos continuar coesos, garantindo a nossa democracia”, assume uma atribuição que a Constituição não lhes outorga. E que “nossa função é defender a Pátria”, a doutrina militar interpreta essa defesa não apenas contra ameaças externas, mas também internas, de forças de esquerda rotuladas de comunistas.
Portanto, sugere-se ir devagar com o andor. Não esqueçamos que, em março de 1964, Castelo Branco, chefe do Estado Maior do Exército, era tido como general legalista, assim como, no Chile, Pinochet fora, 18 dias antes do golpe, nomeado por Allende comandante em chefe do Exército. Enfim, haverá ordem do dia alusiva ao 31 de março? Continuará sendo a apologia da ditadura militar? A conferir.