A Operação Panatenaico, da Polícia Federal, que prendeu os ex-governadores Arruda, Agnelo e do ex-vice-governador Filipelli evidenciou que a Polícia Civil do Distrito Federal, outrora exemplo para o país, tem atendido mais a interesses políticos do que aos interesses da sociedade. A crítica nasceu dentro da corporação, em nota divulgada pelo Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol-DF).
Segundo o sindicato, o excesso de funções comissionadas e a preferência por investir em outros departamentos de segurança estão sucateando a Polícia Civil. \”O diretor-geral da PCDF é um cargo de confiança dos governadores. Nessa condição, qual delegado-geral permitiria, de fato, investigar crimes praticados por agentes políticos sob o comando de governadores corruptos?\”, questiona a nota.
\”A Lava-Jato, desenvolvida pela PF, deveria não só servir de modelo para as demais polícias investigativas dos Estados e da Capital Federal. Deveria ser o principal eixo de atuação dessas polícias. Mas isso não ocorre por vários fatores: apadrinhamentos e indicações políticas, falta de coragem no dever de agir (por medo de perder o cargo comissionado), conveniência ou conivência dos demais órgãos controladores e fiscalizadores\”, diz o texto.
Leia a íntegra da nota do Sinpol-DF:
\”Acordamos nesta terça-feira ( 23) com a notícia da prisão dos ex-governadores Arruda, Agnelo e do ex-vice-governador Filipelli pela Polícia Federal (PF), suspeitos de desvios de recursos públicos na obra do estádio Mané Garrincha. A investigação deveria ter acontecido no âmbito da Polícia Civil do DF, e as prisões também. No entanto, ao longo dos últimos anos, a Polícia tem atendido mais a interesses políticos do que aos interesses da sociedade.
A Operação Lava-Jato trouxe à tona algo que todos sabíamos: a corrupção é cultural no Brasil, afeta a todas as áreas do poder público e uma parte dos empreiteiros que vencem as licitações públicas. As prisões desencadeadas ao longo de mais de dois anos têm lavado a alma da população brasileira. Figurões são, finalmente, envolvidos no emaranhado de provas produzidas, as quais são divulgadas em horário nobre.
A Lava-Jato, desenvolvida pela PF, deveria não só servir de modelo para as demais polícias investigativas dos Estados e da Capital Federal: deveria ser o principal eixo de atuação dessas polícias. Mas isso não ocorre por vários fatores: apadrinhamento político e indicação política, falta de coragem no dever de agir (por medo de perder o cargo comissionado), conveniência ou conivência dos demais órgãos controladores e fiscalizadores.
O aparelhamento político das polícias civis sobrecarrega de trabalho a PF e muda o rumo da investigação estadual para o ladrão de galinhas, o crackeiro. Deliberadamente, os governantes, políticos habituais, deixam de repor os quadros e fazer investimentos nas polícias civis, priorizando as polícias militares. Sem querer desmerecer o valoroso trabalho dos irmãos de farda, não é deles o trabalho de investigação de crimes complexos, como a corrupção, a lavagem de dinheiro, a associação criminosa, a evasão de divisas, os crimes do colarinho branco, enfim.
No Distrito Federal não é diferente. Apesar de receber vultoso aporte de recursos federais para manter saneada a área de Segurança Pública da Capital, o que menos se vê são investigações e prisões de gente envolvida em desvio de verbas públicas.
O Mané Garrincha custou mais de R$ 1,5 bi, valor aproximado ao de 15 hospitais de Santa Maria (DF), que teve um custo de R$ 110 milhões. A suspeita de desvio ultrapassa os R$ 900 milhões, conforme noticiado na imprensa. Enquanto dezenas de pessoas morrem nos hospitais ou baleadas nas ruas da cidade, maus gestores seguem incólumes em seus projetos de poder.
O diretor-geral da PCDF é um cargo de confiança dos governadores. Nessa condição, qual delegado-geral permitiria, de fato, investigar os crimes praticados por agentes políticos sob o comando de governadores corruptos? A resposta, de forma clara, foi dada hoje. Não foi a Polícia Civil do DF que prendeu os ex-governadores suspeitos de corrupção: foi a Polícia Federal, que não tem sobre si nenhuma ingerência da política distrital. A PF, debaixo do nariz da PCDF, fez o papel que a esta pertencia.
O apadrinhamento e a influência política na PCDF e o engessamento da investigação em crimes do colarinho branco não se dão apenas no comando da instituição. Ao longo dos anos, as delegacias de combate à corrupção e as delegacias circunscricionais perderam-se no foco e, hoje, “enxugam gelo” sem trazer qualquer resultado prático para a sociedade.
A Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco) e a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap), delegacias que deveriam estar à frente destas investigações, têm sido sucateadas de forma consciente, ano a ano.
A Decap teve papel coadjuvante na Operação Drácon, capitaneada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), e que só alcançou, coincidentemente, adversários do atual governador. A Decap não prendeu nenhum agente político, pelo menos nos últimos três anos. A Deco também. A impressão que temos é de que nunca houve corrupção em Brasília.
Além de esvaziadas, com equipamentos e veículos obsoletos, a percepção geral é de que as representações emanadas pelos delegados de polícia só avançam mediante a benção do diretor-geral. O pagamento de gratificação de chefia e a possibilidade de perda dela, nesse tempo de crise, também nos diminuiu e mudou nosso foco para a competição interna.
A Polícia Civil do DF precisa de mudanças ou caminhará rumo à extinção. A sociedade clama por um serviço eficiente, que lhe dê as respostas esperadas. Devemos deixar de ser o que nos transformamos: uma polícia de cabresto, uma polícia que investiga só o ladrão de galinhas.
Para alcançarmos reconhecimento e servirmos ao nosso mister, precisamos voltar a ser uma polícia de Estado e deixarmos de ser uma polícia de governos. Cumprir nosso papel legal e constitucional é a nossa obrigação, pendendo apenas para os desejos da sociedade\”.