Carlos Fernando (*)
A reclamação surge sempre por esta época do ano: além da falta de médicos de família e comunidade, faltam profissionais nas emergências dos hospitais. Não é o Distrito Federal. É Portugal. Como aqui no DF, a quantidade de médicos por habitante lá é alta, mas faltam médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), equivalente ao nosso SUS.
Como aqui, o serviço público de saúde português deixou de ser atrativo para os profissionais de saúde, e a distribuição deles pelo país é ruim – na capital, Lisboa, faltam médicos.
E o que o governo português faz? Aumenta o valor da remuneração para médicos de família e comunidade que ocupem vagas em postos de trabalho pouco atrativos. E estuda uma reformulação do sistema para fixar os profissionais no serviço público.
Aqui ao lado, em Goiás, a prefeitura de Anápolis lançou edital este mês para contratar médicos – o salário, pago por um município com orçamento muito menor do que o do DF, está na mesma faixa do daqui. Para médico de família e comunidade é ainda maior. O salário oferecido aqui está abaixo do mercado e se torna ainda menos atrativo com as péssimas condições de trabalho.
Nos dois casos – na Europa e em Goiás –, medidas claras são adotadas para resolver o problema da falta de médicos no serviço público de saúde. Aqui, numa situação mais confortável do que a de um município do interior e menos complexa do que a organização de toda a assistência médica de um país, nada se fez em toda a atual gestão para melhorar a condição de assistência à saúde da população. Pelo contrário: muito foi feito para complicar.
Uma prática do GDF que foi extremamente danosa na atual gestão foi a sequência de exonerações nos cargos de direção de unidades de saúde. Era só sair uma notícia ruim sobre uma delas – normalmente por falta de profissionais ou de insumos – e a resposta do governador era demitir o diretor do hospital.
Como se os gestores das unidades tivessem autonomia para resolver os problemas que são da alçada do secretário de Saúde – e quantas vezes houve substituição no comando na pasta? Quantos secretários-adjuntos e subsecretários foram trocados?
Além de deixar as unidades de saúde entregues ao caos, o GDF promoveu descontinuidade na gestão por motivos injustificáveis. Evidentemente, essa interminável dança de cadeiras foi extremamente maléfica para a Secretaria de Estado de Saúde em um momento crítico – o da pandemia da covid-19.
Nunca os servidores públicos da saúde do DF foram tão desvalorizados e desrespeitados quanto na atual gestão. Essa prática deliberada de ataques à estrutura da SES-DF e aos seus servidores é, evidentemente, um dos fatores que determinam a piora na qualidade da assistência à saúde da população.
Entre os desafios postos ao próximo governo está a recuperação da autoestima e a valorização dos servidores da saúde. Uma política de recursos humanos digna será um fator fundamental para o resgate do sistema público de saúde do DF. Um governo que não valoriza os servidores que executam as políticas públicas, não tem compromisso nem dá importância à qualidade dos serviços públicos oferecidos à população.
(*) Médico, Vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal