Superlativos sempre me definiram. Gosto do sol quando ele queima. Gosto de açúcar e de afeto sem medidas. Não me interessam economias. Parciais. Parcelas. Eu quero provar e testar. Tudo. Provar e testar cada cheiro, cada toque. Quero uma explosão de cores e sabores. Tudo junto ao mesmo tempo, agora.
Mas eis que é preciso tomar um bom gole com calma. O terreno agora é diferente. Estou atravessando paradoxos. Estou usando óculos para enxergar de perto e de longe. Com o tempo pensava que veria além, mas vejo cada vez menos.
Sinto tudo como nunca, incluindo as articulações e as desarticulações. Embora me aceite mais, nunca usei tanto maiô – não descobri ainda se é senso do ridículo ou lucidez.
Meu GPS está alucinado, me encontrando e me perdendo a cada passo. Recalculando a rota.
A cada dia menos imperativos e mais adjuntos adverbiais. Tenho me expressado com mais cautela, mais “talvez” e menos “com certeza”.
Um expresso e um uísque, nessa ordem. Um para aquecer e o outro… Bem, o outro também. Não entendo porque aquecer o que está em brasa.
Muitas horas em branco. O coração cada vez mais colorido.
Sigo incerta, vacilante, errante. Mais menina impossível.
A cada dia sinto mais e mais o peso da lei da gravidade. Presa ao chão, ao real, ao cotidiano. Eu que gostava tanto de flutuar, eu que gostava tanto de perder o chão. Agora tão terrivelmente humana e limitada.
O que nos sedimenta de fato? O que é que nos traz de forma tão pesada para o chão?
Necessito de lentes novas para me enxergar. Empresta-me teus olhos. Assim, sem pensar na forma correta, na justaposição das palavras. Sem pensar no que está correto, sem travas, sem depois, sem talvez.
Empresta-me teus olhos porque eu quero ver através de você. Eu quero teu olhar sobre o mundo e sobre mim. A vida sob sua perspectiva. Eu quero teus olhos. Mais que seus olhos, eu quero seu desejo de ver.
Empresta-me tuas mãos para que eu me sinta no seu toque. Empresta-me um medo seu. O maior. Quero entender o seu pavor, entrar nos labirintos escuros da sua mente.
Vamos juntos mergulhar na sua noite e nos perder no descompasso de um coração disparado, desesperado, desalinhado.
Empresta-me tua pele para que eu transpire por teus poros, para que eu sinta o sol, o frio, a chuva. Empresta-me tua pele para que eu me abrace e me perceba na sua pele. Pelo seu sentido, pelo meu avesso, pelo meu reverso.
Reescrevo-me diariamente. A cada dia um novo parágrafo, uma nova história. Redesenho rotas e me edito infinitamente.
(*) Escritora