Desde a década de 1990, José Fuscaldi Cesilio, 84 anos, mais conhecido como José Tatico, na esteira do falecido comunicador Silvio Santos (1930-2024) – que usava o bordão “quem quer dinheiro” em seu famoso programa de auditório –, desenvolveu o hábito de distribuir notas de dinheiro para clientes e moradores de Ceilândia, onde abriu seu primeiro supermercado.
Hoje, dono de uma rede de lojas que se espalha inclusive para fora do Distrito Federal, o empresário vinha repetindo o gesto na unidade da Rua 12 de Vicente Pires. Mas deu ruim. Após meses de generosidade, Tatico foi obrigado a interromper, há cerca de vinte dias, a prática semanal de entregar cédulas de R$ 50 e R$ 100 para as pessoas que se aglomeravam dentro do estabelecimento ou em filas que se estendiam pela rua à espera de sua generosidade. A pausa foi uma decisão tomada após crescente tensão na região.
CONTROVÉRSIAS – Ocorre que a prática gerou uma série de controvérsias nas redes sociais e na vizinhança, trazendo problemas para a comunidade local. Apesar de não quererem se identificar, populares que aguardavam pela distribuição no dia em que a reportagem visitou o local afirmaram que Tatico distribuía R$ 50 por pessoa. No entanto, já havia duas semanas que ele não aparecia. Uma das pessoas relatou que um assessor de Tatico havia comunicado que ele não compareceria naquele dia. Mesmo assim, cerca de 30 pessoas o aguardavam.
Segundo Anchieta Coimbra, presidente da Associação Comercial e Industrial de Vicente Pires (Acivip), o impacto na segurança pública foi evidente, com grupos se formando desde domingo para garantir lugar na fila e receber a doação de Tatico, que, geralmente, comparecia às segundas-feiras. Isto gerou conflitos e, em casos extremos, até ameaças de morte.
“Já tem uns dias que fomos procurados pelos empresários da Rua 12, síndicos e vizinhos que nos apresentaram a situação de risco nas proximidades do Supermercado Tatico. Todos relataram que estão vivendo com sensação de insegurança”, afirma.
Polêmica nas redes
Em 2024, um vídeo do empresário circulando nos corredores de seu supermercado presenteando desconhecidos com notas de dinheiro viralizou nas redes sociais. A ação, que inicialmente parecia atrair simpatia, também acentuou os desafios enfrentados pela vizinhança.

Nas redes sociais, a repercussão foi dividida. Enquanto uns defendiam o empresário como “o melhor patrão do Brasil”, outros questionavam sua origem com comentários como: “Saiu da cadeia esses dias, o que o dinheiro não faz?”.
Alguns viram o gesto como uma jogada de marketing. “Se ele distribuir R$ 2 mil para pessoas e postar um vídeo, gera um engajamento enorme, fazendo propaganda de seu estabelecimento e atraindo mais clientes. Por incrível que pareça, saiu mais barato do que fazer tráfego pago”.
A decisão de suspender temporariamente a distribuição de dinheiro tem gerado muitas especulações. Alguns populares sugerem que o empresário pode ficar até seis meses sem realizar a prática devido à repercussão negativa e aos problemas de segurança na região. José Tatico, que já enfrentou processos por fraudes imobiliárias e lavagem de dinheiro, continua sendo uma figura polêmica.
Impacto na vizinhança
O impacto da presença constante de grupos de pessoas nas imediações do supermercado afetou outros estabelecimentos. Comerciantes da Rua 12, nas proximidades do Vip Mall e do Tatico, apresentaram à Acivip uma crescente preocupação com o aumento do número de pessoas em situação de rua e o consequente risco de violência.
Um morador da Rua 12, próximo ao mercado, que prefere não se identificar, classifica a situação como “crítica”. O condomínio onde ele reside, inclusive, decidiu fechar os portões mais cedo no domingo para evitar furtos e invasões de pessoas em situação de rua que dormem no local.
“Aqui está igualzinho a uma ‘cracolândia’. Pessoas parecem zumbis nas ruas. Já teve facada, relato de assalto, e é comum o consumo de drogas. Sem falar na sujeira e no cheiro de urina que fica na porta do condomínio e dos comércios. A gente não aguenta mais”, desabafa.
ATITUDE NOBRE — O deputado distrital Pastor Daniel de Castro (PP), representante de Vicente Pires na Câmara Legislativa, se manifestou sobre a situação, expressando preocupação com os efeitos da prática de Tatico na segurança pública. Mas frisou que é uma atitude nobre.
“Eu tenho discutido essa situação com ele, mas é uma questão particular. Moro perto da casa dele e levei a ele a preocupação dos moradores. Expliquei que estão ocorrendo pequenos furtos, que o pessoal que chega para receber dinheiro acaba dormindo no local e fazendo suas necessidades fisiológicas em área pública. Ele diz que tem sentimento de gratidão a Deus por tudo que conquistou e que, por isso, ajuda as pessoas menos favorecidas. Se todos pudéssemos ajudar como ele, seria extraordinário”, comentou o parlamentar.
Daniel de Castro acrescentou que, apesar do gesto altruísta de Tatico, a situação tem gerado problemas na área. “Eu estou o tempo todo vendo aquela fila. Já houve casos de pessoas entrando no comércio com faca para praticar roubos. Pedi para ele tomar cuidado. Sugeri que encontrasse outro modelo de fazer caridade, mas ele é o dono do dinheiro e faz o que quer. Como parlamentar, pedi para que a polícia estivesse presente nos dias de distribuição. A ideia é arrumar um local adequado para evitar essa bagunça e garantir mais segurança para a comunidade”, concluiu.
PM vai marcar presença
A Acivip informou que encaminhou a demanda ao comando do 10º Batalhão da Polícia Militar de Águas Claras, destacando a necessidade de uma presença policial mais intensa nos horários mais críticos. “O comandante nos garantiu que, a partir da próxima semana, uma equipe estará presente nos dias e horários apontados como mais preocupantes, para garantir uma maior sensação de segurança aos moradores e comerciantes da região”, afirmou Anchieta Coimbra.
Procurado pelo Brasília Capital, o empresário José Tatico não quis se manifestar.