Garotas adolescentes que se prostituem nas ruas do Distrito Federal ― tanto no Plano Piloto quanto nas cidades-satélites ― dizem ter o sonho de, um dia, conseguir sobreviver exercendo outra profissão. Muitas vêm de Goiânia e todas se misturam com mulheres de mais idade e submetem-se às regras do submundo da noite. A tabela varia de acordo com a região e com o que a prostituta está disposta a oferecer. Em Taguatinga, o valor do programa varia de R$ 50 a R$ 80. Se o atendimento foi a um casal, o preço sobe, em geral, para R$ 150. As cifras também são outras para programas em grupo de três ou mais pessoas. Para casal, são cobrados R$ 200. No Plano Piloto, o programa individual sai, no mínimo, por R$ 80.
Com aparência de, no máximo 16 anos, Isabela Silva (nome fictício) ainda está no ensino médio, mora em Goiânia e vem para o DF a cada duas semanas. Ela classifica as noites aqui como agitadas e diz que compensa o esforço.
“Ainda não me formei na escola. Quando eu concluir o ensino médio, quero fazer uma faculdade. É o meu sonho!”, conta Isabela, desconfiada e com meio sorriso. Já Thaís Costa* (nome fictício) diz que seu grande sonho é ter um emprego longe da prostituição.
Thaís relata que falta pouco para atingir a maioridade, mas que está nas ruas há pelo menos três anos, desde os 15. Expulsa de casa pela mãe por excesso de brigas e morando com a tia, a menina disse que se viu obrigada a trabalhar. A jovem tem um relacionamento sério sem revelar ao namorado o que faz pra sobreviver.
“Não é vida”
“Ele não sabe o que faço para me sustentar. Quero um dia conseguir um emprego e sair daqui. Isso não é vida. Estou aqui porque não tenho opção!”, garante Thaís. O que a incomoda é que todos os pontos de prostituição de Taguatinga Sul, onde costuma trabalhar, têm donos.
“Estou em uma rua pública, ninguém é dono disso aqui, mas tenho que pagar, senão sou ameaçada”, protesta Thaís. Mas paga assim mesmo cerca de R$ 50 a uma mulher “que se diz dona do trecho” ara poder se prostituir.
As colegas de Thaís afirmam que os perigos não se limitam a apenas essas ameaças. “Somos constantemente assaltadas. O dinheiro que conseguimos numa noite ou na madrugada vai embora em segundos”, disse uma das meninas, sem querer dar detalhes sobre si.
No centro de Taguatinga, metade das mulheres que se prostituem também trabalha para o tráfico de drogas, segundo policiais militares. A fiscalização não é feita, apesar de viaturas da PM fazerem ronda constante nos locais apontados como pontos de prostituição.
Questionadas se alguém já averiguou a idade delas, as respostas foram muito parecidas e em tom de ironia, como disse uma delas: “Nunca pediram minha identidade”.
Exploração é crime
Pela legislação, o Estado e a família deveriam cuidar das crianças e adolescentes. No entanto, a prática mostra uma realidade bem diferente. De acordo com a lei 11.106/05, o ato de se prostituir não é crime, mas a exploração, sim. Mesmo que maquiada, a realidade é que, na capital federal, existem pontos em que crianças e adolescentes se prostituem.
Para a doutora em Comunicação, professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) e integrante da ONU Mulheres, Isabel Clavelin, a não criminalização, a ausência de estatísticas e dados públicos dificultam a configuração do quadro real.
“A prostituição é inadmissível, tendo em vista que elas não têm autonomia de decisão. Por sua vez, a exploração sexual de mulheres e meninas é crime. A cada hora, 228 crianças e adolescentes – principalmente meninas – são explorados sexualmente em países da América Latina e do Caribe”, afirma Isabel.
No Brasil, a violência sexual – que inclui, por exemplo, casos de abuso, exploração e turismo sexual – é a quarta violação contra crianças e adolescentes mais denunciada no Disque 100. Apenas em 2015, foram registradas 17.583 denúncias desse tipo, o que representa quase 50 casos por dia. “A exploração sexual de mulheres e meninas deve ser reprimida de todas as formas”, ressalta Isabel.
(*) Do jornal Artefato, da Universidade Católica de Brasília, especial para o Brasília Capital
Fotos: Larissa Lago
Foram três semanas acompanhando o dia a dia de adolescentes nas noites de Taguatinga e do Plano Piloto. Precisamos da \”escolta\” de nossos namorados para diminuir os riscos. Muitas não queriam falar ao perceber que não queríamos os seus serviços. Chegamos a atrapalhar o movimento algumas vezes, segundo uma das meninas. O escuro parecia ter olhos e orelhas atentos, sempre a nos vigiar. A sensação é de medo, insegurança e incerteza. Definitivamente não são locais para se trabalhar nem viver, muitos menos crianças e adolescentes. É preciso lutar contra isso.
Passamos três semanas, acompanhadas por nossos namorados porque percebemos que havia riscos e ameaças, nas noites de Taguatinga e do Plano Piloto, e vimos em situações desafiadoras. Tínhamos que pensar como seria a abordagem das pessoas antes mesmo de chegar ao local. Muitas não queriam falar com quando percebiam que não queríamos seus serviços. Em determinada situações, tivemos que sair do local porque estávamos “atrapalhando a movimentação do local”, como disse uma menina ao perceber que estava sendo observada. A impressão era que estávamos num reality show. O escuro parecia ter olhos e orelhas atentos, sempre nos sentíamos vigiadas. A sensação é de medo, insegurança e incerteza. Definitivamente não são locais para se trabalhar nem viver, muitos menos crianças e adolescentes. É preciso lutar contra isso.