Gutemberg Fialho (*)
No 1º semestre de 2023, foram registradas 97.341 denúncias de violência contra crianças e adolescentes no Brasil, 24% a mais do que em 2022, com 78.248 queixas. O levantamento é do Ministério dos Direitos Humanos e revela, sobretudo, a necessidade de proteção à infância e à juventude, o que aumenta a importância dos conselhos tutelares.
O pleito deste ano foi marcado pela polarização política e a disseminação de fake news. O Distrito Federal foi a região do País com mais votos para a eleição dos Conselhos Tutelares, no dia 1º de outubro. Com 232 mil votos, o número entra para a história. O DF ultrapassou São Paulo (202,3 mil) e Rio de Janeiro (128,9 mil).
Os dados mostram, em uma eleição sem voto obrigatório, a participação dos brasileiros em decisões importantes. Neste ponto, nada a ser criticado. Contudo, o evidente apadrinhamento de políticos a candidatos e mesmo o currículo de alguns postulantes ao cargo podem (e devem) ser questionados. Ou seja, o que foi pensado para ser uma ferramenta de participação da comunidade, virou uma extensão das disputas políticas e ideológicas.
Os Conselhos Tutelares têm papel fundamental. Por isso, não deveriam ser ocupados por pessoas que, em muitos casos, vão desempenhar o trabalho de cabos eleitorais. Quando não têm, elas próprias, objetivos estritamente políticos lá adiante.
Dos 220 conselheiros tutelares eleitos no DF, ao menos 60 não tiveram suas ocupações reveladas. Entre os que tiveram suas profissões divulgadas, há pastores, educadores, assistentes sociais, advogados e mestres de capoeira. Alguns foram reeleitos.
A pergunta que faço é: quantos deles, de fato, têm experiência comprovada, de no mínimo três anos, na área da infância e adolescência? Como é feita essa avaliação? Trabalharam com criança, então, podem estar num Conselho Tutelar? Como é avaliado o conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?
Diante do que vimos nestas eleições, me parece que vulgarizaram um dos papeis mais importantes dentro das funções do Estado: o de proteção à criança e ao adolescente. Por isso, essas perguntas são importantes para elevar o debate. Afinal, o cenário do DF é preocupante: 62% dos estupros cometidos aqui são contra vítimas vulneráveis. A maioria tem 14 anos ou menos. É preciso fazer deste pleito um exemplo do que não pode ocorrer mais adiante.
Por isso, trago uma solução possível: concurso público. O servidor público, como o próprio nome diz, serve à população. Ao prestar um concurso para o cargo “x”, para ser aprovado precisa ser qualificado e capacitado. E o serviço público é de interesse coletivo e não está à disposição deste ou daquele político, desta ou daquela ideologia. A possibilidade de manipulação dos votos, como foi aventada, também não existe neste caso.
Ainda no dia da eleição aos Conselhos, um domingo, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, informou que o governo “tem a intenção” de aprimorar a eleição unificada de conselheiros tutelares.
Talvez, se possa aperfeiçoar o Sistema e corrigir as atuais distorções. Mas sugiro ao ministro analisar seriamente a hipótese de concurso público, levando em consideração todas as peculiaridades do cargo. Afinal, é preciso fazer valer o ECA: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
(*) Presidente do SindMédico-DF