O “mercado” mostrou, nesta semana, o quão distante se acha do povo brasileiro. Com a iminente privatização da Eletrobras, e após o IBGE divulgar que o PIB no primeiro trimestre cresceu 1,2% em relação ao quarto trimestre de 2020, o Ibovespa subiu 2 mil pontos e atingiu seu recorde histórico. Haveria razão para tamanha euforia? Vejamos: mesmo que o PIB em 2021 cresça os 4% esperados pelo “mercado”, ele sequer retornará ao patamar de 2019, quando já foi 3% menor que o PIB de 2013. A título de comparação, de 2003 a 2013, o PIB brasileiro cresceu 49,6%.
Há sete anos a economia brasileira patina, e a consequência é a existência de 31 milhões de pessoas desempregadas, inflação em alta, aumento da miséria, da fome e também da riqueza de poucos. Sim, no país da desigualdade, o número de bilionários aumentou na mesma proporção do número de miseráveis. Esse descolamento entre desempenho da economia e a situação do povo não é novo. Em 1970, o general-ditador Médici, num surto de “sincericídio”, disse: “A economia pode ir bem, mas a maioria do povo ainda vai mal”. Ocorre que hoje, ambos vão muito mal.
Em meio à crise econômica e social, a pandemia continua colhendo os frutos do negacionismo: já são quase 17 milhões de infectados e 470 mil mortos. Nas últimas sete semanas, o número de infectados tem persistido entre 420 e 450 mil, e, nas últimas quatro, o número de mortos varia de 13 a 15 mil. Caso o ritmo de óbitos não se reduza substantivamente, em três meses o Brasil será o país com maior número de mortos pela covid-19, superando os EUA.
Alguns alegam que o alto número de óbitos se deve à elevada população, mas, em termos relativos, já estamos entre os 10 primeiros, com 2.100 mortos por milhão de habitantes. Superamos países de maior porte (EUA, México, Itália, Reino Unido, Espanha, França e Colômbia).
E à nossa frente estão dois minúsculos territórios: São Marinho e Gibraltar (cuja população somada é menor que a metade da população do Recanto das Emas), e sete pequenos países do Leste Europeu (República Checa, Hungria, Eslováquia, Bulgária, Bósnia, Macedônia e Montenegro), que há 30 anos foram seduzidos pelo capitalismo e se despediram de seus sólidos sistemas de saúde pública e proteção social.
Enquanto isso o Brasil paga com vidas o preço das provocações bolsonaristas à China, nos faltando insumos para produzir as vacinas. O governo alega que já vacinamos 46 milhões, mas imunizados mesmo são 22 milhões, cerca de 10% da população. Países que tiveram muitos óbitos, como EUA, Reino Unido e Israel, já imunizaram de 40% a 60% de suas populações e reduziram a taxa de óbitos/milhão para 1 a 9 por semana.
O Brasil está na companhia de Bulgária, Bósnia e Macedônia, que contabilizam muitos mortos, mas imuniza pouco e, por isso, mantém alta taxa de óbitos/milhão. No nosso caso, 62/milhão por semana. Os negacionistas alegam que países como Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coréia do Sul e Vietnam imunizaram menos de 4% de suas populações, mas são países que tiveram pouquíssimas vítimas e a taxa atual de óbitos vai de zero a 0,5/milhão por semana.
Por tudo isso, a aprovação a Bolsonaro está em queda livre. É isso que também explica que meio milhão foram às ruas em mais de 200 cidades do País em 29 de maio, não obstante o risco de contaminação, pois o risco Bolsonaro na gestão da pandemia, da economia e dos programas sociais é infinitamente maior. Como ninguém suporta mais, não hesitaram em sair às ruas (munidos de máscara) para gritar bem forte: “Fora Bolsonaro”.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia