“A situação está caótica. Se pudesse copiar e colar… São mais de 25 anos assim”. Este é o desabafo de uma médica pediatra da rede pública do Distrito Federal. A situação da pediatra no Sistema Único de Saúde (SUS-DF) não muda, continua a mesma de janeiro deste ano, quando publiquei artigo sobre o assunto. No texto, já denunciava o caos na área, com superlotação das emergências diante das doenças sazonais – que tiveram o ritmo bagunçado pela pandemia.
Há um mês, voltei a cobrar ações efetivas para o problema. Agora, no entanto, o que já estava ruim ficou pior. Com a chegada do outono, o que acontece entre os meses de março e abril, é sabido que o número de doenças respiratórias aumenta entre bebês e crianças. E isso ocorre até o inverno, em julho. Nesses cinco meses, o que se espera da gestão pública é que haja um preparo para a alta nos atendimentos pediátricos.
Contudo, ano após ano, o que se vê são medidas paliativas, que não resolvem o problema de fato. A rede pública de Saúde do DF precisa, urgentemente, de mais pediatras. Mas, não com contratações temporárias ou salários absolutamente incompatíveis com o cargo. É preciso levar essa demanda a sério. Hoje, para ter uma dimensão do problema, dados do InfoSaúde (SES-DF), apontam a existência de apenas 467 pediatras na rede pública – incluídos 38 médicos pediatras cedidos ao IGESDF e ao HCB.
Mas, importante: isso não significa que não há pediatras suficientes no DF. Segundo o CRM-DF, são 1.644 com registro ativo. Hoje, o DF possui uma população de mais de 606 mil pessoas com idade até 14 anos. É alarmante. Isso significa que há apenas um pediatra na rede pública de Saúde para cada 1.303 crianças. Ou seja, não tem pediatra. Não há como atender toda a demanda. E mais: além da falta de médicos, temos que contar (ou subtrair da atenção à saúde) com a falta de insumos, remédios, materiais e leitos.
No último concurso anunciado pela Secretaria de Saúde, em 2022, apenas 32 pediatras foram nomeados (o que não significa que assumiram os cargos). Esse número, obviamente, não recompõe a força de trabalho que falta na pediatria. E, com os salários e condições de trabalho atuais da rede pública, é muito provável que esses médicos não tenham tomando posse da função.
Aqui, quero fazer uma observação importante: não existe profissional que não mereça ser valorizado. Desde as profissões ditas mais simples até as mais complexas. Todo mundo que empenha tempo e conhecimento a determinada função quer ser reconhecido. É preciso entender que os médicos não são exceção. No DF, os servidores públicos não têm reajuste salarial desde 2015. São sete anos a ver navios, frustrados por promessas políticas não cumpridas. No meio disso, gosto de lembrar, houve uma pandemia.
No caso de uma broquiolite aguda, por exemplo, que é uma das doenças sazonais desta época do ano, se uma criança não consegue atendimento, o quadro pode (e provavelmente vai) se agravar e causar uma insuficiência respiratória, levando-a a óbito. E são inúmeras as situações em que indivíduos menores de 14 anos podem morrer se não forem atendidos em tempo hábil. Infelizmente, essas crianças entram nas chamadas “mortes evitáveis”, quando há um gargalo na saúde e a desassistência toma o espaço.
O que venho percebendo ao longo dos anos enquanto presidente do SindMédico-DF, é que a saúde pública local parece algo a ser conquistado. E não é. A saúde pública é um direito constitucional e deve, portanto, ser acessível à população. Não é o que vem acontecendo na Pediatria. E não vai acontecer se a gestão pública local não levar a sério a necessidade de uma política permanente de saúde. Estratégia e compromisso são palavras e ações que salvam.