E a reunião de cúpula do G20 terminou como esperado. Após várias reuniões preparatórias, encontros bilaterais e fóruns tratando de temas específicos, o evento no Rio de Janeiro foi fechado com a aprovação consensual da Declaração de Líderes, com 24 páginas e 84 tópicos. De que vale um documento tão longo, no qual o que mais se vê são expressões vazias como “reafirmamos nosso compromisso” ou “reconhecemos que”.
Obviamente que é difícil para a diplomacia costurar um consenso envolvendo interesses tão díspares, de um lado o “mundo rico” e, de outro, países subdesenvolvidos; ou entre países em conflito econômico, como EUA e China, ou em conflito bélico, como União Europeia e Rússia. Mas alguns tópicos devem ser destacados como exemplos do quão vazios de propósitos são tais documentos.
Já no item 3, há o reconhecimento tácito do fracasso da Agenda 2030 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS): “Há progresso efetivo em apenas 17% das metas dos ODS, ao passo que quase metade está mostrando progresso mínimo e em mais de um terço o progresso estagnou ou regrediu”. Alguma surpresa?
No item 4, consta: “Reconhecemos que a desigualdade dentro e entre os países está na raiz da maioria dos desafios globais” (não é preciso tanto esforço para tanto), “por isso nós trabalhamos em 2024 sob o lema “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”.
Construindo um mundo justo? É sério isso? Não é contraditório com o reconhecimento de que “a redução da pobreza e a erradicação da fome sofreram retrocessos significativos e que o número de pessoas que enfrentam a fome aumentou para 733 milhões”?
Ainda no âmbito econômico, num cenário de baixo crescimento, fortes desequilíbrios, extrema concentração da renda e exclusão de centenas de milhões do mercado de consumo, fala hipocritamente que “continuaremos a promover crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo”.
E, diante da extrema financeirização da economia mundial, fala de “compromisso de promover um sistema financeiro aberto, inclusivo e promover ainda mais movimentações sustentáveis de capitais”. Para mais adiante cair na real e reconhecer que “as flutuações de mercado, as condições financeiras restritivas e as vulnerabilidades da dívida podem estar aumentando a pressão de curto prazo sobre orçamentos públicos”. Podem estar ou estão?
Atribui à corrupção os impactos negativos na pobreza e na desigualdade social e econômica e afirma que combatê-la pode ajudar a construir um mundo mais justo, mas capciosamente omite que a pobreza e a desigualdade social e econômica decorrem, sobretudo, da extrema exploração do trabalho e da perversa concentração da renda e da riqueza. Sobre isso, nem uma única linha.
Reconhece (como não?) que a tributação progressiva é uma das principais ferramentas para reduzir as desigualdades internas, mas “escorrega” ao dizer que vários membros do G20 têm feito reformas fiscais para combater as desigualdades e promover sistemas fiscais mais justos. Onde?
E num cenário de forte ofensiva do Capital e de degradação das condições de trabalho, fala candidamente da “importância de criar empregos de qualidade, promover o trabalho digno para todos e proteger os direitos dos trabalhadores”. E mostrando sua verdadeira face, destaca a importância de se promover reformas estruturais e a independência dos bancos centrais.
Por fim, na arena ambiental, o cinismo beira a provocação. Fala do “compromisso assumido em 2009 em Pittsburgh de eliminar gradualmente subsídios a combustíveis fósseis”. Como assim, se os EUA ampliam a exploração de combustíveis fósseis (petróleo e gás), notadamente o xisto betuminoso através do fraturamento das rochas, e a China amplia o consumo de carvão mineral tendo na Austrália sua principal fornecedora (400 milhões de toneladas/ano).
Ao invés de fazermos de conta que o mundo vai muito bem, de ficarmos “passando pano” para o que os países ricos e as grandes corporações têm feito mundo afora, de vendermos a ilusão de que estamos unidos buscando a prosperidade de todos e a justiça social, melhor faríamos se denunciássemos os responsáveis pelas mazelas que assolam o planeta.
Uruguai: A eleição no Uruguai, no domingo (24) teve a vitória do candidato da Frente Ampla, o historiador Yamandú Orsi. A esquerda, que governou nosso vizinho por 15 anos, de 2005 a 2020, voltará ao comando de janeiro de 2025 até 2029. Orsi obteve, no 2º turno, 52,1% dos votos contra 47,9% do candidato da coalizão de direita, e sua vitória se deu essencialmente em função da grande vantagem obtida na capital Montevidéu e em sua periferia metropolitana, situada no Depto. de Canelones (ambas perfazem quase 60% da população uruguaia, de 3,6 milhões).
Sucesso ao pupilo do grande Pepe Mujica!