Carlos Fernando (*)
A pandemia da covid-19 virou justificativa para tudo, inclusive para desvios, erros e inércia da gestão pública da saúde no Distrito Federal. Em agosto do ano passado, dizia-se que havia uma estimativa de 40 mil pessoas na fila de espera por procedimentos cirúrgicos na rede pública de saúde local. O motivo alegado foi o represamento de procedimentos provocado pela pandemia da covid-19.
Em fevereiro deste ano, foi divulgado pela imprensa que havia uma fila de 21 mil pacientes aguardando cirurgia na rede pública do DF. A justificativa da Secretaria de Saúde para a não realização dos procedimentos foi “represamento provocado pela pandemia” Em abril, esse número passou para 24 mil e a pandemia era a justificativa.
Agora, virou notícia uma fila de mais de 12 mil pacientes aguardando uma tomografia – o que pode ser indicativo de que a fila por procedimentos cirúrgicos pode ser ainda maior do que o noticiado. Aqui, realmente, a pandemia é a justificativa: a crise no abastecimento de contraste de fato existe e especialistas em exames de imagem vêm discutindo alternativas para evitar maiores prejuízos ao estado de saúde dos pacientes.
Em março, condenado em um processo judicial por ter deixado um paciente fora da lista de espera para procedimento médico eletivo, em sua defesa, o GDF argumentou que o sistema público está sobrecarregado e os recursos não são suficientes, razão pela qual caberia à administração pública decidir as prioridades de atendimento para garantir o direito de todos. É difícil acreditar na argumentação, mas está registrada na página eletrônica do TJDFT (https://bit.ly/3PGOcju).
Diferente dos médicos, que, no caso da falta de contraste para exame de tomografia procuram alternativas clínicas para dar aos pacientes a assistência necessária, o GDF responde em processo judicial que adotou uma política de estabelecer prioridades e de lavar as mãos em relação aos demais pacientes. A justificativa no citado processodo é a expressão da mesma atitude que motiva a adoção das bandeiras vermelha e laranja nos serviços públicos de emergência hospitalar.
E novamente é a população a prejudicada ao ficar sem atendimento, porque a gestão definir que o paciente não está “suficientemente mal” para ter atendimento. O sistema de saúde do DF virou um caso de emergência constante, e todas as unidades de saúde, até as básicas, antigos postos de saúde, estão sendo orientadas para o atendimento emergencial.
E quem cuida para o paciente não agravar? Este é o grande problema: não se pode esperar todo problema de saúde, crônico ou eventual, se tornar agudo para dar a assistência ao paciente, sob pena de atropelar toda a concepção de atendimento por níveis de complexidade do SUS e tornar tudo um imenso serviço de emergência em saúde.
Nessa toada, os custos da saúde vão explodir e muitas vidas vão continuar se perdendo à toa, por causas evitáveis. Nossa esperança é que na gestão que assumir após as eleições deste ano seja revisto o conceito de prestação de assistência à população e que sejam respeitados os princípios e a estrutura do SUS, com valorização dos profissionais e ênfase na atenção primária à saúde.
Não podemos mais deixar tudo evoluir para emergência na saúde.
(*) Vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal