J. B. Pontes (*)
A Lei Orçamentária Anual (LOA) é o principal instrumento de alocação dos recursos públicos necessários ao desenvolvimento dos programas voltados a atender demandas da sociedade, na saúde, educação, segurança, saneamento, meio ambiente e outras áreas. Por isso sua elaboração e execução deveriam ser fiscalizadas de perto pela sociedade.
Mas, infelizmente, poucas pessoas têm condições de entendê-la e interesse em exercer esse controle. E isto possibilita que maus parlamentares e gestores se aproveitem para direcionar os recursos públicos, provenientes dos impostos que todos nós pagamos, para atender seus próprios interesses.
Cada parlamentar no exercício do mandato tem direito a alocar e controlar recursos no orçamento público mediante as seguintes emendas:
- Individuais: cada parlamentar na LOA 2021 pôde alocar R$ 17 milhões. No conjunto, alcançaram R$ 9,7 bilhões;
- De bancada estadual e distrital. Na LOA 2021 cada bancada teve a prerrogativa de alocar R$ 247,2 milhões. No montante, R$ 6,7 bilhões;
- De comissão. Foi aprovado pelo Congresso Nacional o montante de R$ 1,4 bilhão, inteiramente vetado pelo governo;
- De Relator. Alcançaram o montante de R$ 18,52 milhões. O valor aprovado pelo Congresso foi de R$ 29,01, e foi parcialmente vetado pelo governo.
Poder Executivo x Legislativo
Tendo em vista a importância da LOA, o que se observa sempre é uma disputa Poder Executivo x Legislativo pelo controle de sua elaboração e execução. Nos últimos anos, o Legislativo tem obtido significativos avanços nesse domínio.
Assim é, por exemplo, que as emendas individuais, cuja execução até há pouco tempo servia de barganha para a obtenção de apoios dos parlamentares a projetos de interesse do governo, hoje são de execução obrigatória. Da mesma forma, parte das emendas de bancada também passou nos últimos anos a ser impositiva.
Mas a voracidade dos parlamentares pelo controle dos recursos orçamentários é enorme. Neste contexto, nos últimos anos tem avultado os valores das emendas de relator, identificadas na LOA pelo código RP9 (sigla de resultado primário).
Comissão Mista de Orçamento
As emendas de relator, originalmente previstas na Resolução do Congresso Nacional nº 1/2006, que disciplina as atividades da Comissão Mista de Orçamentos (CMO), estavam restritas a alguns casos, a exemplo de correção de erros e omissões, recomposições de dotações canceladas e ao atendimento às especificações dos pareceres preliminares (art. 144).
Não obstante, em especial nos orçamentos de 2020 e 2021, o Parecer Preliminar, um simples relatório prévio que o relator geral apresenta para ser aprovado pela CMO, ampliou significativamente os casos que poderiam ser objeto das emendas de relator (28 itens, em 2020; e 22, em 2021).
Além dos casos previstos na referida Resolução 1/2006-CN, o relator geral foi autorizado a realizar qualquer tipo de emenda alocativa em praticamente todas as áreas setoriais do orçamento, fato que passou a ser denominado na grande mídia de “orçamento secreto”. Essas emendas são aprovadas com localização “nacional”, ou seja, a exata localização e obras ou serviços somente será identificada quando da execução da despesa.
Poderes do relator
O Parecer Preliminar tem atribuído ao relator geral a prerrogativa de indicar, por meio de ofícios dirigidos aos órgãos executores, o parlamentar beneficiário de parte dessas dotações, o qual fica autorizado a definir a localização e as obras a serem custeadas.
No entanto, sabe-se que, informalmente, outras autoridades do Congresso Nacional têm dividido esse poder com o relator geral. Essa prática dificulta demasiadamente o controle sobre esse tipo de gasto.
Ao contrário das demais emendas, cujos valores e critérios para aprovação são iguais para todos os parlamentares, o que permite que sua execução seja controlada pela sociedade, o âmago da questão das emendas de relator é a arbitrariedade na escolha dos beneficiários da despesa pública nelas previstas, vez que não existem critérios técnicos ou legais de alocação dos respectivos recursos.
Essa irregularidade basal é a raiz de todas as demais irregularidades contidas nesse tipo de emendas, que afrontam os princípios constitucionais da igualdade, impessoalidade e eficiência da ação da Administração Pública.
Governo enfraquecido e conivente
Ainda que o atual governo não possa ser diretamente responsabilizado pelas ilegalidades contidas na execução dos recursos alocados mediante as emendas de relator geral, ele foi, e é, complacente, pois poderia e deveria ter usado a sua prerrogativa de veto.
Mas o governo foi conivente com essa ilegalidade, uma vez que esses recursos são usados para angariar apoios parlamentares à aprovação de matérias impopulares de seu interesse. A fraqueza do governo não permite que ele contrarie sua base de apoio, o Centrão, que está roubando de braçada.
A matéria já foi judicializada. O que se espera é que o Judiciário interfira para coibir os abusos das emendas de relator geral, voltando às regras estabelecidas pela Resolução nº 1/2006 do Congresso.
E reitero: todos esses absurdos cometidos pelos agentes públicos somente serão corrigidos quando tivermos uma população consciente e em condições de participar e acompanhar de perto todas as atividades parlamentares e governamentais.
(*) Advogado e Consultor Legislativo do Senado Federal