Júlio Miragaya (*)
Três anos após assumir o papado em 1958, João XXIII convocou o Concílio Vaticano II, o 21º Concílio Ecumênico da Igreja Católica, realizado em quatro sessões, começando em 1962 e encerrado em 1965, já com Paulo VI como chefe da Igreja. Na eterna disputa entre clérigos progressistas e conservadores, o destaque do Concílio foi a iniciativa entre os progressistas de afirmar uma maior inclinação social da Igreja, notadamente por parte do clero latino-americano, que, na II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em 1968, em Medellín, na Colômbia, deliberou pela “Opção preferencial pelos pobres”.
Naquele período, a América Latina ingressava num ciclo de ditaduras militares inaugurado pelo golpe de 1964, no Brasil, seguido por golpes na Bolívia, Uruguai, Chile e Argentina. Era uma reação à mobilização dos povos do continente, embalados pelo sucesso da Revolução Cubana de 1958/59. Foi um período em que a Igreja progressista desenvolveu a “Teologia da Libertação” e sofreu uma brutal perseguição por parte dos militares. Após as derrotas das ditaduras latino-americanas, ocorreu, também, a derrota do clero progressista. Primeiro, sob o papado conservador de Paulo VI e, pincipalmente, sob os papados reacionários de João Paulo II e Bento XVI.
Na Conferência de Medellin havia um grande fosso entre o discurso do Papa e o dos bispos. Enquanto estes diziam que “o Episcopado não pode ficar indiferente ante as tremendas injustiças sociais no continente, que mantém a maioria do povo numa dolorosa pobreza” e que “a paz, primeiramente, é obra da justiça e exige a instauração de uma ordem justa…”, Paulo VI alertava, na abertura do evento, para a “tática do marxismo ateu de provocar a violência e a rebelião sistemática e de gerar o ódio de classe”.
Hoje, após meio século, o que se vê, não obstante a eleição do progressista Francisco, é uma Igreja Católica amorfa e tímida, omissa na condenação de um sistema econômico que promove um brutal processo de concentração da renda e da riqueza, com a consequente explosão da pobreza e da miséria em todo o planeta, e, em particular, em nosso continente. Trata-se de uma Igreja pressionada pelo discurso ultrarreacionário da maioria das igrejas evangélicas, que pregam cada vez mais descaradamente a teologia da “falsa prosperidade” e que se vê presa ao velho discurso direcionado às vítimas da exploração de que “todo o sofrimento dos pobres na terra será recompensado com a vida eterna no paraíso, ao lado de Deus”.
Marx tinha claro o significado da religião nas sociedades humanas – e de sua posição especial na superestrutura ao lado das dimensões política, jurídica, social e cultural – de conformar o homem e embaraçar a sua consciência, de ocultar a exploração e a opressão humana.
O fato é que num mundo nunca antes tão desigual, com um punhado de famílias bilionárias detendo riqueza maior que a metade da humanidade (4 bilhões de seres humanos), as igrejas, assim como dirigentes políticos, muitos inclusive que se intitulam de esquerda, socialistas e social-democratas, todos, por ação ou, ao não fazer o necessário combate, por omissão, realizam a opção preferencial pelos ricos.
Parece que creem que há um Deus que salvará suas almas.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia