Embora continue me esforçando para me adaptar às circunstâncias do modus vivendi em Brasília, cidade que amo desde janeiro de 1960, quando vim, como repórter da Última Hora carioca, cobrir a visita do presidente norte-americano Eisenhower, confesso que ainda não entendi a falta de diálogo entre moradores vizinhos, tal qual a rotina diária aqui no Plano Piloto. Eis o porque de minha perplexidade: vai completar 17 anos que resido no mesmo bloco, de 36 apartamentos, da Asa Sul, onde em apenas três imóveis me relaciono fraternalmente com seus ocupantes. Nos 32 restantes, sequer ouço as respostas aos meus cumprimentos de bom-dia!
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Fazendo lembrar cavernas habitadas por trogloditas surdos-mudos, a tal ponto que certo dia o viúvo solitário do primeiro pavimento amanheceu morto, atacado por um infarto do miocárdio. E o trágico-lamentável: ele viajou para o Oriente Eterno sem saber que no andar de cima residia um jovem casal de cardiologistas. Diante de tal fato chocante, não posso me queixar da idem frieza dos circunstantes que habitam outros blocos da quadra, alguns que conheço há anos, porém apenas visualmente, tantas vezes os encontrei nas caminhadas sob a abóbada de árvores frondosas. Nessas incursões, cruzava quase todas as manhãs com o arrogante senhor de cabelos grisalhos, a quem desisti de cumprimentar depois de duas ou três tentativas frustradas.
Não me foi difícil descobrir que o referido fazia jus à pose de quem tinha o rei na barriga: ex-ministro do Judiciário, administrava seu rico escritório de advocacia e era dono de uma dezena de fazendas. Determinada manhã ele virou manchete de jornal ao ser encontrado putrefato (morto há dias) no seu apartamento do bloco C, com o corpo perfurado por facadas, juntamente com a esposa e a empregada -, triplo assassinato que marcou negativamente a existência da SQS 113 residencial.
Na certa referindo-se a tipos semelhantes a esse bilionário que não levou para o sepultura nem mesmo 1 centavo de sua imensa fortuna, o compositor Billy Blanco abre com este verso a primeira estrofe de seu samba:
“Não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho. / Pra que tanta pose, doutor? / Pra que esse orgulho? / A bruxa que é cega, esbarra na gente, a vida estanca. / O infarto te pega, doutor. / E acaba essa banca!”
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