Arlicélio Paiva (*)
O judeu João Batista (1 a.C. – 28 d.C.), considerado como profeta pelos cristãos, nasceu nas proximidades de Jerusalém. De acordo com historiadores, seu pai, Zacarias, foi morto por soldados de Herodes Antipas, governador da Galileia, por ter escondido o seu filho e se negar a revelar o seu paradeiro, na ocasião em que o tirano ordenou a morte de todas as crianças do sexo masculino com menos de dois anos de idade. Sua mãe, Isabel, era prima de Maria, mãe de Jesus. João Batista era apenas seis meses mais velho do que Jesus, seu primo em segundo grau.
Depois de passar um período no deserto, vivendo uma vida simples, com abstenção de prazeres e de conforto material, em busca do aperfeiçoamento espiritual, João Batista passou a percorrer o vale do Rio Jordão, fazendo o batismo, em suas margens, daqueles que se arrependeram e queriam se converter, como uma preparação para a vinda do Messias, assim como, para o julgamento no Juízo Final (último e derradeiro julgamento de Deus sobre todos os seres humanos). João Batista também batizou Jesus nas águas do Rio Jordão, embora tivesse relutado em fazê-lo por considerar que deveria ser o contrário – “Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (Mateus 3:14).
Apesar de Herodes Antipas reconhecer em João Batista “um homem justo e santo”, ele ordenou a sua prisão e, em um momento de embriaguez, autorizou a sua decapitação, que ocorreu em 29 de agosto do ano 28 d.C., por ter sido acusado por João Batista de que estaria cometendo crime perante a lei judaica, em função do seu casamento com Herodíades, esposa do seu meio-irmão.
Desde o início da Igreja Católica que João Batista, o último dos profetas do Antigo Testamento, passou a ser reconhecido como um homem santo. Apesar da data comemorativa da maioria dos santos estar relacionada ao dia das suas respectivas mortes, a comemoração de São João Batista é em homenagem ao seu nascimento (24 de junho). Em função da dúvida sobre o exato dia de nascimento de São João Batista, a data do seu nascimento foi estabelecida cuidadosamente em um período de seis meses antes do nascimento de Jesus (25 de dezembro, Natal), para obedecer a diferença de idade entre ambos.
As celebrações em homenagem a São João Batista se originaram durante a idade média na Europa, ocasião em que a Igreja Católica passou a substituir os festejos pagãos por celebrações religiosas. Desde aquela época que as festas em homenagem a São João Batista eram realizadas na véspera do seu nascimento, com apresentações de teatro que representava a vida e a morte do santo, acompanhadas de procissão, comidas, bebidas, fogos de artifício e confraternização entre os populares.
Quanto ao acendimento da fogueira em homenagem a São João Batista, não há um consenso entre os historiadores. Alguns afirmam que Maria, mãe de Jesus, combinou com a sua prima Isabel para acender uma fogueira, como uma forma de avisar que João Batista nascera. Há relatos também de que, durante o século XII, monges e jovens paroquianos europeus tinham o hábito de acender fogueiras nas reuniões que ocorriam à noite para celebrar o dia do santo. Independentemente dos fatos, a tradição de acender a fogueira em homenagem a São João Batista permanece até os dias atuais, na maioria dos lares que comemoram o dia santo.
O costume de festejar o dia de São João Batista chegou ao Brasil trazido por exploradores portugueses. Inicialmente, os festejos eram denominados de “joaninos” em referência a João. Com o passar dos tempos, passaram a ser chamados por “juninos” em alusão ao mês de junho, englobando os festejos alusivos a Santo Antônio (13 de junho) e a São Pedro (29 de junho). No Brasil, a solenidade dedicada a São João Batista incorporou aspectos culturais dos povos africanos escravizados, como o forrobodó, uma festa popular que mais tarde daria origem ao forró; e dos povos indígenas, como as comidas derivadas do milho e da mandioca.
Essa tradição criou raízes no Nordeste e as festas juninas passaram a representar a alma do seu povo. O nascimento do primo de Jesus, São João Batista, é mais festejado pelo povo nordestino do que o nascimento do próprio Jesus. Mesmo em regiões onde os festejos juninos não têm grande tradição, há sempre quermesses, danças de quadrilha, fogueiras e comidas típicas. De qualquer maneira, São João Batista é sempre reverenciado no Brasil.
As festas juninas do Nordeste não ocorrem apenas na véspera e no dia de São João Batista; elas costumam durar vários dias e sua extensão vai depender da tradição de cada local. Na região semiárida nordestina, as festividades costumam durar uma semana, ou mais, e ocorrem como forma de gratidão do povo ao santo pelas chuvas e pelas boas colheitas que proporcionam a fartura na mesa do sertanejo. Nas celebrações religiosas católicas, além das missas e procissões, o dia de São João Batista é destinado como ocasião especial para o batismo
O gênero musical que costuma animar as festas de São João Batista é o forró, que também se tornou o nome da festa. Tradicionalmente, o forró é executado por trios musicais que utilizam como principais instrumentos, a sanfona, o zabumba e o triângulo. O forró é dançado com certa sensualidade, por pares e com contato corporal. As letras das músicas, geralmente, tratam do dia a dia do povo nordestino. Desde pequeno, Luiz Gonzaga participava das festas de forró com o seu pai, Januário, em Exú, Pernambuco, de onde eles avistavam o pé da serra do Araripe, e daí surgiu o termo “forró pé de serra”, que é utilizado para designar o forró tradicional. O forró é composto por diversos subgêneros musicais, como xote, xaxado, baião, arrasta-pé, dentre outros.
O xote é um ritmo musical originado do alemão “Schottisch” (escocesa), uma espécie de polca escocesa, que era muito comum na Alemanha, e se difundiu para a Europa e, ao chegar no Nordeste do Brasil, foi aperfeiçoada e ganhou mais leveza e descontração, sendo dançado com o tradicional compasso dois por dois.
Embora haja controvérsia na origem do xaxado, não há dúvidas de que os cangaceiros foram responsáveis por difundir esse ritmo no interior do Nordeste. Seu nome teria surgido do “xa-xa-xa”, onomatopeia resultante do barulho das chinelas arrastadas pelo chão durante a dança apenas entre os bandoleiros e seus fuzis. Segundo Luiz Gonzaga “O rifle é a dama”. O movimento inicial se dá com o pé direito avançado, com puxadas laterais, e os braços dobrados para trás.
O nome baião é uma corruptela da particularidade “baiano” (derivado de “baiar” = bailar, dançar) que é um dos ritmos do lundu, estilo musical africano. As letras do baião retratam as dificuldades e a labuta dos sertanejos com a seca. A dança inclui movimentos como balanceio e rodopio. Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira desenvolveram e popularizaram esse subgênero musical e, por essa razão, receberam o título de Rei do Baião e Doutor do Baião, respectivamente.
O arrasta-pé surgiu quando as pessoas dançavam o forró em locais com o chão de terra e, para evitar a poeira, dançavam arrastando os pés e, com isso, surgiu o estilo musical arrasta-pé, que é dançado no passo de marcha.
Não é fácil explicar, tampouco entender, a cadência dos ritmos do forró e dos seus subgêneros, mas, ao se ouvir as músicas que caracterizam cada um deles, dá para perceber suas diferenças. A música “Forró de Mané Vito” (Luiz Gonzaga e Zé Dantas) caracteriza o forró – “Seu delegado, digo a vossa senhoria / Eu sou fio de uma famia / Que não gosta de fuá / Mas tresantontem / No forró de Mané Vito / Tive que fazer bonito / A razão vou lhe explicar”.
Como exemplo de xote, tem-se o “Xote das Meninas” (Luiz Gonzaga e Zé Dantas) – “Mandacaru quando fulora na seca / É um sinal que a chuva chega no sertão / Toda menina que enjoa da boneca / É sinal de que o amor já chegou no coração”. Para se relembrar do xaxado, basta ouvir a música “Óia eu aqui de novo” (Antonio Barros Silva) – “Vou mostrar pr’esses cabras / Que eu ainda dou no couro / Isso é um desaforo / Que eu não posso levá / Óia eu aqui de novo, cantando / Óia eu aqui de novo, xaxando / Óia eu aqui de novo, mostrando / Como se deve xaxar”.
É fácil saber o que é um baião ao ouvir a música “Baião” (Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga) – “Eu vou mostrar pra vocês / Como se dança o baião / E quem quiser aprender / É favor prestar atenção”. O arrasta-pé é o ritmo que foi escolhido para dar título ao presente texto, extraído da música “Olha pro céu” (Luiz Gonzaga) – “Olha pro céu, meu amor / Vê como ele está lindo / Olha pra aquele balão multicor / Como no céu vai sumindo”.
O zabumba é o principal instrumento musical do gênero Forró, sendo quem mais diferencia e quem marca a cadência dos ritmos. O xote é o mais lento dentre todos eles, sendo considerado como “música lenta” em relação aos demais. O xaxado, o baião e o forró possuem andamento mais rápido do que o xote. Já o arrasta-pé apresenta padrão rítmico mais acelerado em relação aos demais.
O Dia Nacional do Forró é comemorado em 13 de dezembro em homenagem ao nascimento de Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 – 1989), principal responsável por difundir e popularizar esse gênero musical nordestino. Em 2021, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) declarou o forró e suas matrizes tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
O “Arraiá do São João”, local destinado para as comemorações, é caprichosamente decorado com bandeirolas coloridas e objetos cênicos que lembram as pequenas vilas do interior. Nesse local, são instaladas barracas que servem comidas e bebidas típicas e monta-se um palco para as diversas apresentações culturais. Há também um espaço reservado para dançar o “forró” a noite inteira, como diz na música “Cair na brincadeira”, composta por Evaldo Lima e Genário, cantada pelo Trio Nordestino – “Vem amor / Vem cair na brincadeira / Vem brincar a noite inteira, até o dia clarear / Vem amor / Venha cair nos meus braços / Deixe quem quiser que fale, deixe o povo falar”.
O período de São João, favorecido pelo clima mais frio, contribui para que as vestimentas tradicionais e o agito das danças não importunem as pessoas com o calor, típico do Nordeste. Essa época é tão esperada e é tão significativa para o povo nordestino que as escolas programam as suas férias para o mês de junho, exatamente para que as famílias possam viajar para o “interior” – para cidades com tradição de São João –, a fim de reencontrar amigos e familiares, pessoas que carregam em comum, histórias de amor e paixão, relatadas nas músicas “Eu só quero um xodó” (Dominguinhos e Anastacia), “Você endoideceu meu coração” (Nando Cordel) e “Esperando na janela” (Targino Gondim, Manuca Almeida e Raimundinho do Acordeon); de saudade e orgulho da sua terra natal, mencionados nas músicas “Riacho do Navio” (Luiz Gonzaga e Zé Dantas) e “Petrolina Juazeiro” (Jorge de Altinho); e de dor e de sofrimento, impelidos pela natureza climática do sertão nordestino, que ajudam a dar significado e despertar sentimentos, quando ouvem as músicas “Asa Branca” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), “A Triste Partida” (Patativa do Assaré) e “Súplica Cearense” (Gordurinha e Nelinho).
Portanto, a festa do São João e os vários ritmos do forró servem para despertar o sentimento e agregar pessoas que carregam, em comum, histórias de padecimento que, muitas vezes, é menosprezado pela incivilidade, comum dos ignorantes. Mas, sobretudo, une aqueles que têm orgulho da sua trajetória de vida e que desejam o bem comum. Sobrepõe a tudo isso, a alegria e o contentamento em se dançar um forró.
(*) Engenheiro Agrônomo (UFBA), Doutor em Solos (UFV) e Professor do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais da UESC, Ilhéus, Bahia. Insta: @arliceliopaiva