SÃO PAULO E CURITIBA — A conta Paulistinha, que, segundo uma funcionária da Odebrecht, era usada para realização de pagamentos em dinheiro em São Paulo, fez repasses vinculados a duas obras da construtora no exterior: a hidrelétrica Baixo Sabor, em Portugal, um negócio de 450 milhões de euros; e a Via Costa Verde Callao, no Peru, com valor estimado em R$ 500 milhões. Os dois países são parceiros do Brasil nas investigações da Lava-Jato e fazem apurações sobre corrupção e possíveis pagamentos de propina por empreiteiras brasileiras em grandes obras. Procurada, a Odebrecht informou que não se manifestaria.
Os nomes das duas obras constam da planilha de pagamentos apreendida com Maria Lúcia Tavares, que trabalhava no departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht e centralizava, segundo a força-tarefa da Lava-Jato, pagamentos de propina. Maria Lúcia era a responsável pela operação do pagamentos em moeda nacional em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Salvador e Minas. Os valores são em reais. Os pagamentos vinculados à obra do Peru somam R$ 1,2 milhão e estão relacionados em dias subsequentes, 26 e 27 de março de 2015, no valor de R$ 644 mil cada. No caso da Baixo Sabor, são relacionados seis débitos na conta Paulistinha entre 25 de março a 9 de abril de 2015, no total de R$ 3 milhões.
Em Portugal, as investigações da hidrelétrica de Baixo Sabor estão relacionadas à atuação do ex-primeiro ministro José Sócrates. Investigado por corrupção, ele foi preso em novembro de 2014. Um ano depois, foi posto em prisão domiciliar. A obra da Odebrecht faz parte do Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico, aprovado pelo governo de Sócrates em 2007.
Portugal investiga ainda negócios no setor de petróleo, com supostas propinas pagas a autoridades locais para arquivar uma investigação sobre a Sonangol, petroleira angolana. Há pouco mais de um mês, a Polícia Judiciária portuguesa apreendeu num escritório de advocacia em Lisboa documentos relativos ao período entre 2007 e 2010, quando Manuel Vicente, atual vice-presidente da Angola, era presidente da Sonangol. Vicente esteve à frente da estatal por 13 anos e deixou o cargo em 2012.
O ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou que a Petrobras comprou blocos de petróleo na África em 2005 por US$ 300 milhões e, destes, R$ 50 milhões foram para a campanha de reeleição do ex-presidente Lula em 2006.
CONTRATOS NO PERU SOB SUSPEITA
Em outubro passado, Manuel Vicente, ex-CEO da Sonangol, anunciou que o governo do país iria reestruturar a estatal e o setor de petróleo. Um documento interno da empresa, revelado em maio, afirmava que o modelo de gestão da petrolífera estava falido, com diversos contratos de prestação de serviços e “presença crescente de contratos fantasma”. A Sonangol, a Petrobras e a empresa portuguesa Petrogal têm investimentos comuns na África e no Brasil.
Preso na Lava-Jato, o publicitário João Santana trabalhou na última campanha de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola. Em depoimento à Polícia Federal, Mônica Moura, mulher do publicitário, afirmou que recebeu US$ 50 milhões para fazer a campanha, dos quais US$ 20 milhões através de um “contrato de gaveta”. Do total de gaveta, U$ 4,5 milhões foram depositados pelo operador de propina da Petrobras Zwi Skornicki.
No Peru, a Fiscalía Especializada Anticorrupción do Peru já investiga contratos fechados por empreiteiras brasileiras. Batizada de Operação Lava Dólar, a operação peruana começou investigando negócios intermediados pelo ex-ministro José Dirceu e possíveis pagamento de propinas a autoridades locais desde 2006. Dirceu atuava em parceria com Zaida Sisson, mulher de Rodolfo Beltrán Bravo, ministro da Agricultura no governo Alan García.
Depois da prisão do empresário Marcelo Odebrecht, ex-presidente da holding e condenado a 19 anos de prisão em primeira instância, as autoridades peruanas também anunciaram auditorias em todos os contratos firmados pela empreiteira brasileira no país. O Grupo Odebrecht atua no Peru desde 1979 e acumula pelo menos uma dezena de obras, entre elas um trecho da Rodovia Interoceânica, além de concessões viárias locais.
Os extratos bancários da conta Paulistinha também revelam pagamentos relacionados a grandes obras tocadas pela Odebrecht no Brasil, como a Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo; a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, em Rondônia; e o Centro Administrativo do Distrito Federal. A tabela apreendida em um dos endereços da ex-secretária da Odebrecht Maria Lúcia Tavares, em Salvador, reproduz os campos “obra”, “data”, “observação”, “moeda”, “ingresso”, “saque” e “saldo”. Não há referência a pessoas, órgãos governamentais ou empresas.
CONTA TAMBÉM PARA METRÔ
Em 24 de outubro de 2014, R$ 500 mil saíram da Paulistinha. No campo “obra” está escrito “Metrô Linha 6SP”. A Odebrecht integra o consórcio Move São Paulo, escolhido pelo governo do estado de São Paulo no fim de 2013 para construir e operar a Linha 6-Laranja do Metrô, obra de R$ 9,6 bilhões. Também fazem parte do consórcio Queiroz Galvão, UTC Participações e o fundo Eco Realty.
Procurado, o Metrô informou que “quem deve esclarecer o significado do documento apresentado pela reportagem é quem o elaborou”.
Essa não é a primeira relação de pagamentos a obras feitas durante o governo do tucano Geraldo Alckmin em documentos apreendidos pela Lava-Jato. Um caderno de anotações e um e-mail apreendidos num endereço comercial relacionado ao executivo da Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Júnior citam a duplicação da Rodovia Mogi-Dutra, feita em 2002, ao lado do nome de empreiteiras, valores e uma quantia direcionada a uma pessoa identificada como “Santo”.
Já no dia 28 de outubro de 2014 foi feito um saque de R$ 200 mil referentes a “Centro Adm de BSB”. O Centro Administrativo de Brasília foi inaugurado em 31 de dezembro de 2014, no último dia da gestão de Agnelo Queiroz (PT), embora tivesse recomendação contrária do Ministério Público, que julgou a obra inacabada. O contrato, com custo inicial previsto de R$ 600 milhões, foi assinado em 2009. A Odebrecht se juntou à Via Engenharia para tocar o projeto, ainda não totalmente pago. O governo do Distrito Federal informou que não vai se pronunciar, já que o contrato ocorreu em gestão anterior e não há informações sobre o motivo do repasse.