Júlio Miragaya (*)
No artigo intitulado “Desigualdade”, publicado neste Brasília Capital na edição de 7 de janeiro, destaquei o fato de o presidente Lula, em seu discurso de posse diante de 100 mil pessoas no Palácio do Planalto, ter colocado o combate à desigualdade como a questão central de seu governo. Por 22 vezes ele citou o termo desigualdade, concluindo que “A fome é filha da desigualdade. Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição, e esta será a grande marca de nosso governo”.
Lula lembrou das filas nas portas dos açougues em busca de ossos e as de espera para compra de automóveis de luxo e jatinhos particulares e disse: “É inadmissível que os 5% mais ricos detenham a mesma fatia de renda que os demais 95% e que seis bilionários tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres”.
O discurso soou como música para milhões de ouvidos, inclusive o deste articulista, que em 2016, no exercício da presidência do Cofecon, lançou, em parceria com a Oxfam Brasil e 30 instituições nacionais, o Fórum e a Campanha pela Redução da Desigualdade Social no Brasil. Em 20 de fevereiro, Dia Mundial da Justiça Social, animado, o “Fórum” lançou o manifesto “A fome é filha da desigualdade!”.
Mas, poucas semanas após a posse de Lula, o Diretório Nacional do PT aprovou uma extensa resolução em que o combate à desigualdade – aquilo que Lula disse que será o propósito maior de seu governo – foi praticamente omitido do texto. O que mudou neste curto período que justifique tal recuo em relação ao discurso de Lula? Obviamente, nada!
Genericamente, a resolução do DNPT diz que “o objetivo maior do nosso governo e do nosso partido é mudar o Brasil para melhorar a vida do povo e defende uma política econômica que permita o crescimento econômico, pois somente com crescimento e geração de empregos tiraremos o povo da miséria”.
Saindo do abstrato, sabemos que para melhorar a vida do povo é preciso dinheiro para bancar a necessária expansão dos gastos sociais, e não há outra alternativa que a de aumentar a tributação sobre os mais ricos. E para incrementar o crescimento econômico, um dos caminhos é aumentar a tributação sobre a renda e riqueza. Isso permitiria, inclusive, desonerar a produção e o consumo.
Fiquemos num exemplo, com a reinstituição do Imposto de Renda sobre Lucros e Dividendos da Pessoa Física; R$ 167 bilhões seriam arrecadados dos acionistas – aplicando-se a alíquota de 27,5% sobre os R$ 604,6 bilhões de lucros distribuídos em 2022, apenas das empresas com ações na Bovespa, que hoje pagarão ZERO de IR sobre esses ganhos.
Aí vem a escorregada maior da resolução da DNPT, ao dizer que “garantir um pacto cumulativo e progressivo de distribuição mais equânime da renda e das riquezas nacionais é uma prioridade que deve envolver todos os setores da sociedade”. Como assim, todos os setores? Fazer os ricos pagarem mais impostos certamente encontrará forte resistência, notadamente por parte das burguesias financeira, industrial e agrária e, claro, de seus representantes no Congresso Nacional.
Espera a DNPT aprovar projetos desta natureza com base em acordos com a direita organizada no “Centrão” ou fora dele? Não rola! O único caminho é apostar na mobilização social como instrumento de pressão. Sendo um governo de ampla coalisão, formado inclusive por partidos de direita, necessariamente caberá ao PT exercer o papel de proponente das ações mais progressistas, ser a referência ideológica.
E que o papel de “vendedor de ilusões” fique apenas com Robert Preston.