No momento em que a sociedade brasileira toma conhecimento detalhado do quão perto esteve de mais um golpe militar, o ministro Fernando Haddad anunciou um conjunto de medidas econômicas que prevê corte de R$ 70 bilhões nos gastos do governo em 2025/26 com o objetivo é reduzir o déficit primário, estabilizar a relação dívida/PIB e, com isso, buscar reduzir a forte pressão exercida pelo mercado financeiro.
O “pacote”, pendente de aprovação pelo Congresso Nacional, inclui medidas necessárias, como o combate aos supersalários no setor público; a adequação de gastos às limitações do Arcabouço Fiscal, como as emendas parlamentares; a não concessão de novas isenções fiscais enquanto houver déficit primário e a redução das benesses concedidas aos militares. Prevê, ainda, a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda das pessoas com rendimento mensal até R$ 5.000. Nesse caso, a redução de receita seria compensada sobretaxando as pessoas com rendimento acima de R$ 50.000 mensais.
Mas o “pacote” contém também medidas que impactam negativamente a população mais pobre, como as novas regras para a concessão do Abono salarial (reduzindo o direito ao benefício das pessoas com rendimento até 2 SM para 1,5 SM); para a concessão do Benefício da Prestação Continuada (BPC) e a correção do SM dentro dos limites do arcabouço fiscal.
Ocorre que o corte de R$ 70 bilhões não satisfez o mercado financeiro. Esse exigia cortes mais pesados, inclusive nas áreas de saúde e educação, o fim do abono salarial e o fim do aumento real do SM. A resposta veio com o dólar batendo em R$ 6,00 e a pressão para um aumento ainda mais acentuado na taxa básica de juros (Selic). Para o mercado, o problema é que a economia está crescendo além do que deveria, como bem expressou um de seus agentes: “O pacote não foi suficiente para recuperar a confiança dos agentes econômicos. A taxa de desemprego caindo para 6,2% demonstra um aquecimento econômico que pressiona os preços dos serviços”.
Ora, então o problema é que o país está gerando mais empregos e mais pessoas estão tendo dinheiro para consumir? E todo um estardalhaço porque o IPCA acumula alta de 4,76% em 12 meses, pífio 0,26 ponto percentual acima do teto da meta de 4,5%?
O mercado diz que o déficit primário de R$ 105 bilhões acumulado até setembro está fora de controle (a meta para o ano é de déficit de R$ 69 bilhões), esquecendo-se que o resultado é explicado por pagamentos de precatórios represados no governo anterior e gastos extraordinários referentes à tragédia que assolou o Rio Grande do Sul no início do ano.
E cinicamente omite que o que faz a dívida do setor público “explodir” não é o déficit primário, mas os gastos com juros da dívida pública, que somaram R$ 870 bilhões nos últimos 12 meses, elevando o déficit nominal para R$ 1,09 trilhão. É possível déficit zero em 2025 e até um pequeno superávit fiscal em 2026, mas não será possível impedir o aumento exponencial da dívida pública, pois o próprio mercado financeiro trabalha para sua expansão.
Na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o mercado (Boletim Focus), já pressiona por um aumento de 0,75 ou 1 ponto percentual na taxa Selic (para 12% ou 12,25%), seguido de novo aumento de 1 p.p. na reunião do Copom de 28 de janeiro de 2025, pressão que encontra total aceitação por parte da direção do Banco Central. Ora, cada 1 p. p. de aumento da Selic resulta em aumento de R$ 50 bilhões nos gastos com juros da dívida, o que significa que em dois meses o mercado anulará o esforço fiscal feito pelo governo para os próximos dois anos.
O mercado diz que a inflação está “fora de controle”, mas trabalha incessantemente por ela. A elevação da cotação do dólar de R$ 5 em março para o atual patamar de R$ 6 desnuda a contribuição do mercado para sua elevação, mais uma vez com a colaboração do BC, que só atuou 3 vezes nos últimos 2 anos para conter a alta do dólar (vendendo dólares e pressionando por sua baixa) contra as 122 vezes nos quatro anos do governo anterior.
Não há colapso fiscal algum; o déficit primário é administrável e deve zerar em 2025; as contas externas estão equilibradas; as reservas internacionais subiram para US$ 380 bilhões; a inflação está sob controle; a taxa de desemprego está caindo e o país, pelo quarto ano consecutivo, crescerá acima de 3%.
O que o país tem que combater é exatamente o que o mercado não deseja: os gastos com juros da dívida pública, que deverão somar R$ 900 bilhões em 2024; os incentivos fiscais e isenções tributárias, que somam R$ 600 bilhões/ano (R$ 300 bilhões sem qualquer retorno econômico ou social); a evasão e elisão fiscal, que totalizam R$ 200 bilhões/ano e a renúncia fiscal, com a não tributação de lucros e dividendos distribuídos às pessoas físicas, que superam os R$ 100 bilhões/ano.
São cerca de R$ 1,8 trilhão sangrando o país, mas o mercado, a grande mídia e o Congresso Nacional querem sugar ainda mais o sangue do povo.