Há um século, o mundo vem assistindo uma nação e seu povo sendo debilitados, exauridos, combalidos e depauperados. Não faltam termos para expressar o que se passa na Palestina. Há 126 anos, o 1º Congresso Sionista, na Basileia, cunhou a expressão: “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. Se a segunda parte da expressão era verdadeira, visto que o povo judeu se viu privado de um território desde a 1ª diáspora no século I, passando por terríveis perseguições ao longo desse longo período, a primeira parte do lema – “Uma terra sem povo” – é absolutamente falsa. Vamos aos fatos.
Desde 1517 sob domínio do Império Otomano, a Palestina tinha 275 mil habitantes em 1800, sendo que apenas 7 mil eram judeus (2,5% do total ou meros 0,3% dos 2,5 milhões de judeus existentes no mundo). Em 1872 foi criado o Moutassarifado de Jerusalém, que, ao incorporar os Sandjaks de Nablus e do Acre, formou a chamada Síria do Sul, ou Palestina Histórica. Em 1885 os judeus radicados na Palestina eram 16 mil (3,3% da população local de 485 mil) e ainda 3 milésimos dos 9,5 milhões de judeus (70% residentes na Europa, sendo 40% no antigo Império Russo).
Neste período, começou a ganhar corpo o apelo para a migração para a “Terra Prometida”. Na 1ª Aliyah (1881 a 1903), emigraram para a Palestina 25 mil judeus. Já na 2ª Aliyah (1904 a 1914), estimulada pelo movimento sionista, foram mais 30 mil, notadamente do Leste europeu. Ocorre que esses 55 mil judeus que foram para a Palestina entre 1881 e 1914, mesmo com o apelo sionista, representaram apenas 2,4% dos 2,37 milhões de judeus que emigraram da Europa fugindo dos pogroms, sendo que a esmagadora maioria migrou para os EUA (85,2% ou 2,02 milhões) e, secundariamente, para Argentina (113 mil) e Canadá (106 mil).
Com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, as lideranças árabes se aliaram à Grã-Bretanha e à França contra a Alemanha e o Império Otomano, com a promessa de eles apoiarem a independência da região. Entretanto, terminada a guerra e o esfacelamento do Império Otomano, Grã-Bretanha e França traíram suas promessas, negaram a emancipação política da região e a dividiram entre si, com Líbano e Síria sob controle francês, e Palestina, Transjordânia e Iraque sob controle britânico.
Desde então os britânicos estimularam o fluxo migratório de judeus para a Palestina, de forma que em 1933 eram 185 mil na região (17% do total e 1,2% dos 15,3 milhões judeus existentes no mundo). A ascensão de Hitler naquele ano e sua política antissemita gerou um forte desejo de migração de judeus, notadamente alemães. Mas os EUA e países europeus, como Grã-Bretanha, França e Países Baixos impuseram cotas restritas para a entrada de judeus, com o claro propósito de direcionar o fluxo migratório de judeus para a Palestina.
Em 1947 a Palestina, sob mandato britânico, compreendia o atual Estado de Israel, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, num total de 26.493 Km². O número de judeus na região havia subido para 650 mil, 32,5% do total de 2 milhões. Nesse momento, os judeus ocupavam, mediante aquisição de terras financiadas por capitais oriundos dos EUA e da Europa, cerca de 20% da Palestina (5.400 Km²). Mas, em novembro de 1947, o anúncio da partilha da Palestina estabeleceu 53,5% do território (14.171 Km²) para o Estado de Israel e 45,5% (12.054 km²) para o Estado Palestino (1% ou 265 km² era a área de Jerusalém, colocada sob administração internacional).
Tal divisão revoltou as lideranças árabes, e a proclamação e imediato reconhecimento do Estado de Israel pelos EUA e URSS, em maio de 1948, provocou a declaração de guerra por parte do Egito, Síria, Iraque e Jordânia, que se estendeu até março de 1949. O enorme apoio militar, especialmente da Tchecoslováquia, já sob o domínio de Stálin, levou à vitória israelense. Até o fim de 1949, nada menos que 350 mil judeus migram para o novo Estado, aumentando em 50% a população judia na região, ao passo que 800 mil palestinos foram expulsos de suas aldeias e vilarejos na chamada Nakba.
Vitorioso, Israel ocupou a Galileia ocidental, o litoral de Ascalão, parte do Neguev ocidental e a franja ocidental da Cisjordânia, reduzindo o território palestino pela metade, para 6,075 Km² (22,9% do total). O processo de anexação de territórios palestinos teve continuidade em 1967, na Guerra dos Seis Dias, com a ocupação da Cisjordânia, Gaza, Golã e Sinai, sendo este último devolvido ao Egito em 1979. Foram mais 350 mil refugiados palestinos, iniciando-se aí o processo de ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém oriental por colonos judeus.
Em 1993, quando foram firmados os Acordos de Oslo, já eram mais de 100 mil colonos, tendo sido instituídas na Cisjordânia três diferentes jurisdições: a chamada área A (1.015 Km², sob controle da Autoridade Palestina); a área B (1.240 Km², sob controle administrativo palestino e militar israelense) e a área C (3.385 Km², sob controle administrativo e militar israelense). Em 2023 habitavam na área C 500 mil colonos judeus e 200 mil palestinos. Outros 220 mil judeus e 400 mil palestinos residiam em Jerusalém oriental.
Os demais 3,2 milhões de palestinos da Cisjordânia se espremem num exíguo território de 2.255 Km² (áreas A e B), que somados aos 2,3 milhões comprimidos na Faixa de Gaza (365 Km²), totalizavam 5,5 milhões em 2.620 Km² (9,9% da Palestina Histórica). Somados aos 600 mil na área C e Jerusalém Oriental ocupadas; ao 1,8 milhão que reside em Israel e aos 3,1 milhões refugiados em países vizinhos (Jordânia, Líbano, Síria, Iraque, Arábia Saudita etc), são 11 milhões de palestinos que viram seu território definhar de 26.493 Km² para um décimo, parcos 2.620 Km². Plagiando o lema sionista, “Uma terra com povo rumo a um povo sem terra”.