Quando se olha o mapa político da Europa, muitos não se dão conta do quão conturbado foi o processo de formação de cada um de seus 50 países. A formação dos Estados-nação europeus, tal qual o conhecemos hoje, se iniciou, de fato, em meados do século XV, vindo a se consolidar no decorrer dos três séculos seguintes, ficando os retardatários Alemanha, Itália e alguns países dos Balcãs para completá-lo no século XIX.
Abordarei aqui o caso específico da França, que em um vigoroso processo de conquistas territoriais se tornou o terceiro mais extenso país do continente, atrás apenas da Rússia e da Ucrânia. Se, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, a França perdeu muitos territórios coloniais para o dominante imperialismo britânico, no continente europeu as conquistas a fizeram mais que dobrar de tamanho. Tratarei aqui especificamente sobre suas últimas “aquisições”: os territórios italianos dos Alpes Marítimos (Nice) e Savoia.
O fim da Guerra dos Cem Anos (1337/1453) e a vitória sobre os ingleses iniciou o processo de consolidação do Estado-nação francês. A monarquia francesa confirmou sua soberania no Norte, com a submissão ao rei dos territórios da Picardia, Champagne, Normandia e Maine. A leste, houve a incorporação do Ducado da Borgonha (1477), aliado dos ingleses na Guerra dos Cem Anos.
Mas, a partir daí, a monarquia francesa incorporou vários territórios que sequer falavam a língua francesa. Casos da Provença (1481), no Mediterrâneo, onde se falava o occitano provençal, e da Bretanha (1491), cujo idioma era o bretão. Em 1527 foi anexado o Auvergne/March, também de língua occitana, e em 1589 a Gasconha, de idioma occitano/gascão, incluindo a região dos Pirineus Atlântico, de língua basca.
No século XVII, em 1659, houve a conquista à Espanha do Roussillon, também chamada de Catalunha do Norte, de língua catalã, e de parte do Condado de Flandres, região atualmente belga, de língua flamenga. Em 1679 se deu a conquista do atual território do Franche-Conté, e de 1659 a 1697 se deu a conquista da Alsácia e da Lorena, todos territórios de língua alemã pertencentes ao Sacro Império Romano-Germânico.
Consolidado o extenso território metropolitano, a França intensificou sua ação colonialista nos continentes americano e asiático. Mas a fragorosa derrota para os britânicos na Guerra dos Sete Anos (1756/1763) a fez perder o Canadá e parte da região dos Grandes Lagos (o extenso território da Luisiana seria vendido aos EUA em 1803) e várias regiões na Índia. Em 1768 houve a ocupação da ilha da Córsega, de língua italiana, tomada da República de Gênova.
A Revolução Francesa, em 1789, marcou a vitória da burguesia progressista sobre o atraso representado pela monarquia absolutista e o sistema feudal. Foi lá que tremulou pela primeira vez a bandeira da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Mas a vitória foi efêmera, pois o fervor revolucionário do povo francês logo foi “disciplinado” pelas tropas de Napoleão. Após a derrota de Napoleão e do redesenho europeu realizado no Congresso de Viena (1815), a Alemanha, comandada pela Prússia, e a Itália, capitaneada pelo Piemonte, iniciaram seus processos de unificação tardia.
No caso da Itália, surge o movimento “Risorgimento”, e este ganha força com a fusão, em dezembro de 1847, do Reino do Piemonte (Casa de Savoia) com o Reino da Sardenha. Adotando a denominação de Reino da Sardenha, mas comandando a partir do Palácio Real de Turim e liderado pelo rei Vítor Emanuel II e pelo 1º Ministro Cavour, o Piemonte, com ajuda da França, derrota os austríacos, em 1859, e progressivamente incorpora ao novo Reino da Itália o Reino da Lombardia e Vêneto, o Grão Ducado da Toscana, o Reino das Duas Sicílias (1860), os Estados Pontífices e 3 regiões menores (Parma, Lucca e Modena).
Como parte do território italiano (região de Veneza e o Trentino) ainda estava sob o domínio do poderoso Império Austríaco, e este era uma ameaça constante, o “fiador” da unificação italiana foi a França. E o preço cobrado foi o Tratado de Turim, de 24 de março de 1860, pelo qual o Reino da Sardenha transferiu a posse de grande parte do Ducado da Savoia e do Condado de Nice para a França. Na segunda-feira (24), completou 165 anos da última anexação da França em território europeu.
Ao longo de quatro séculos, o território francês mais que dobrou de tamanho, tendo anexado 318 mil Km², área maior que o atual território italiano. E, ao incorporar territórios tomados aos vizinhos alemães, italianos, espanhóis e belgas, além de territórios de povos que reivindicavam independência ou autonomia, como os bretões, os occitanos e os bascos, a primeira medida adotada pela “democrática” França foi impor a língua francesa e proibir as populações dessas regiões de usarem seus próprios idiomas.
Parece que as bandeiras da Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram guilhotinadas junto com os jacobinos.