Marcadas para 5 de novembro, as eleições nos Estados Unidos da América já começaram. Por correspondência, 70% dos eleitores deverão votar até 4/11 numa peleja para lá de indefinida. Há cerca de 6 meses, escrevi o artigo “Biden e Trump: nada é tão ruim que não possa piorar”.
Afirmava, na ocasião, que “se o atual cenário não se modificar de forma substantiva, será inevitável o retorno de Donald Trump à Casa Branca, pois, com os visíveis sinais de senilidade de Biden, o que se vislumbra é uma derrota acachapante para o boçal do topete laranja”.
Bem, o cenário se modificou. Biden desistiu da candidatura e foi substituído pela vice-presidente Kamala Harris. A disputa ficou mais acirrada, mas não a torna favorita. Primeiramente, porque o maior problema dos democratas não é a senilidade de Biden, mas a situação econômica e social do país.
Apregoado pela grande mídia, o bom desempenho da economia norte-americana não passa de falácia: a cada ano sua indústria recua ante à chinesa; os salários estão estagnados desde 2000; a renda média caiu 2,3% em 2022; a taxa de desemprego de 3,8% mascara a ocupação de milhões em empregos precários (só em atividades por aplicativos são 23 milhões) e 42 milhões (12,4% da população) vivem abaixo da linha de pobreza, essencialmente negros e hispânicos.
Tanto arrocho para que o 1% mais rico aumentasse sua participação na renda nacional para 22%, e, na riqueza, para mais de 30%. Ademais, nesses quatro anos não cessaram as recorrentes agressões contra negros e imigrantes hispânicos e a política externa dos democratas é catastrófica, torrando bilhões de dólares fomentando a guerra Ucrânia x Rússia e apoiando o massacre de Netanyahu em Gaza.
Kamala carrega o fardo de um mandato pífio de Biden e sua senilidade serve apenas para encobrir os fracassos dos democratas, confirmando que governos democratas e republicanos são irmãos siameses, tanto nos planos econômico e social quanto na política externa.
O segundo e decisivo motivo é que, na peculiar “democracia” norte-americana, o que vale são os votos no colégio eleitoral, em que não se respeita a proporcionalidade, pois o candidato mais votado no estado leva todos os delegados.
Em 2020, na Geórgia, Biden obteve 50,15% dos votos e levou todos os 16 delegados. Já Trump, com 49,85% não levou nenhum. Nesse modelo, ocorre uma situação esdrúxula, pois nos 50 estados e Distrito de Columbia, a campanha só ocorre, de fato, em 16, pois nos demais 35 a vantagem de um ou outro é considerada irreversível.
Em 2020, em Wyoming, Trump teve 69,9% dos votos e Biden, 26,6%. Nem um nem outro pisou por lá. Já no Havaí, Biden obteve 63,7% contra 34,3% de Trump. Os dois passaram longe de Honolulu.
Em 8 estados, a vantagem de um ou do outro foi relativamente confortável em 2020, oscilando entre 6 e 15 pontos percentuais: Virgínia, Minnesota, Novo México e New Hampshire (vitória de Biden); e Texas, Ohio, Indiana e Iowa (Trump venceu).
Mas, em outros 8 estados, com 124 delegados (23% do total de 538), a diferença em 2020 foi mínima, variando entre 0,2 e 3,5 pontos percentuais. Em 2020 Biden venceu em seis: Pensilvânia (20 delegados), Geórgia (16), Michigan (15), Arizona (11), Wisconsin (10) e Nevada (6); e Trump em dois: Flórida (30) e Carolina do Norte (16).
Ocorre que, numa disputa tão parelha, a eleição poderá ser decidida pelo voto de duas importantes minorias da sociedade norte-americana: negros (12,7% da população) e hispânicos (18,4%).
Islâmicos – Aí reside o drama dos democratas. Em 2020, a política reacionária de Trump levou 87% dos negros e 70% dos hispânicos a votarem em Biden. Só que nesses quatro anos sua gestão frustrou ambos os segmentos. E há ainda uma outra minoria: os islâmicos, que são quase 6 milhões, que votaram maciçamente em Biden em 2020, mas estão furiosos com seu apoio ao genocídio em Gaza.
Segundo pesquisa da Reuters/Ipsos, na Pensilvânia os negros são 11% da população local, e tendem a votar majoritariamente em Kamala (84%), mas apenas 56% estão motivados a comparecer para votar, motivação que entre os brancos é de 72%, segmento que vota majoritariamente em Trump.
Mais preocupante é a situação na Geórgia, onde 31,7% da população é negra e, embora 85% deles tendam a votar em Kamala, apenas 61% estão motivados a votar. Motivação que alcança 70% no eleitorado branco, majoritariamente trumpista.
É uma situação que se repete em outros “estados pêndulos” com importantes contingentes negros: Michigan (14%); Flórida (15,6%) e Carolina do Norte (21,2%). Entre os hispânicos o quadro é similar, notadamente nos dois estados do Sudoeste: Nevada (28,7% da população) e Arizona (30,7%), mas também na Flórida (26,4%).
Resta claro que negros, hispânicos e islâmicos não transferirão seus votos para Trump, mas um aumento substantivo na abstenção desses segmentos beneficiaria o republicano. A conferir!