Este é o perfil da maioria dos (as) medalhistas brasileiros (as) nas Olimpíadas de Tóquio. Não surpreende que Bolsonaro tenha praticamente ignorado o desempenho do Brasil nos jogos, que não foi nada agradável para um misógino, xenófobo, racista, homofóbico e “aporofóbico”. Para quem não tem o menor respeito pelas mulheres, que afirmou que “não estupraria uma deputada porque ela não merecia” e que, “depois de quatro homens, teve uma mulher porque deu uma fraquejada”, deve ter sido um enorme dissabor constatar que do total de 21 medalhistas individuais do Brasil, metade é mulher, as sublimes Ana Marcela, Rebeca, Bia, Mayra, Rayssa, além das meninas da vela, do tênis e do vôlei.
Ao criticar os governadores do Consórcio Nordeste, afirmando que “daqueles governadores paraíbas o pior é o do Maranhão”, Bolsonaro desnudou toda sua xenofobia (o termo se aplica também a migrantes nacionais), sua aversão às condições socioeconômicas, aos costumes, hábitos, enfim, à cultura nordestina. Nada estranho à visão preconceituosa da classe dominante, que considera nordestinos como cidadãos de segunda classe, com o agravante desses votarem maciçamente em Lula. Como então saudar a trupe baiana (Isaquias, Robson Conceição, Ana Marcela, Bia e Daniel Alves), o potiguar Ítalo, a fadinha maranhense Rayssa e o goleador paraibano Mateus Cunha?
Bolsonaro já deu diversas demonstrações de racismo, a mais asquerosa quando afirmou que “o afrodescendente mais leve que vira num quilombola pesava sete arrobas” (medida para pesar gado). Deve ter sido, portanto, um profundo desgosto ter visto no mais alto degrau do pódio atletas como Isaquias, Rebeca, Robson Conceição, Abner, Ana Marcela, Alisson e muitos outros.
Levantamento feito pelo site esportivo Outsports revelou que 14 esportistas brasileiros assumiram publicamente sua orientação sexual. Para quem afirmou que “preferia ver seu filho morto a ter um filho homossexual”, e que discrimina de forma
tão abjeta pessoas LGBT, seria um desatino ter que render homenagens à medalhista de ouro Ana Marcela, às medalhistas do vôlei Carol Gattaz e Ana Carolina, assim como a Douglas (vôlei), às craques Marta, Formiga e várias outras atletas olímpicas.
Por fim, seu ódio aos pobres, associado à visão infame de mentes como a do general Mourão, para quem a pobreza é decorrência da insolência e da malandragem dos mestiços e negros brasileiros. Para seu desgosto, com raras exceções (equipes da vela, tênis, natação), a imensa maioria dos (as) atletas brasileiros (as) é ou tem origem pobre.
Há ainda um sexto elemento: imagina o “padrinho” dos “terrivelmente evangélicos” tendo que homenagear o futebolista Paulinho, declarado adepto do candomblé e que tem Exu como sua referência espiritual? Resta a Bolsonaro consolar Maurício e Wallace (vôlei); o surfista Gabriel Medina e membros da equipe de tiro, seus eleitores e admiradores, que tiveram desempenho decepcionante em Tóquio. Afinal, não se apoia um fascista impunemente.
E como, nessa hora, não lembrar da frustração de Hitler nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, ao ver a alegada supremacia dos atletas arianos sucumbir ante as quatro medalhas de ouro conquistadas pelo atleta negro norte-americano Jesse Owens. Lamentável que, em seu retorno, ao entrar no ônibus que conduziu a delegação norte-americana em Nova Iorque, Owens teve que se acomodar nos assentos traseiros, lugar destinado aos negros nos EUA, à época.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia