Júlio Miragaya (*)
Ocorre, atualmente, uma interessante controvérsia quando se analisa a situação do mercado de trabalho no Brasil. Com total razão, alguns analistas afirmam que a situação melhorou muito em relação à do governo Bolsonaro e que é a melhor desde o início da série histórica em 2012. Mas, com igual razão, outros atestam que a situação ainda é ruim, com um elevado contingente desempregado e uma enorme massa afundada no chamado emprego informal. Ou seja, ambos têm razão.
Em relação aos dados apurados no 3º trimestre de 2025, a taxa de desocupação caiu para 5,6% (a menor da série), e alguns economistas neoliberais chegam a afirmar que ela está próxima do pleno emprego. Será? Se contabilizarmos os 2,4% de desalentados (pessoas que não procuraram emprego na semana de referência por não terem esperança de encontrá-lo), o percentual sobe para 8%. Portanto, são 8,8 milhões de pessoas sem emprego.
Se observarmos o recorte espacial, veremos que o desemprego (desocupados e desalentados) é notadamente crítico no Norte-Nordeste. Em Alagoas, Maranhão e Piauí é de 15,5%. Em Pernambuco e na Bahia, de 14,5%. E nos demais estados nordestinos e em 4 estados da região Norte oscila de 10% e 13,6%. No outro extremo, a taxa é significativamente baixa em Santa Catarina (2,6%), Mato Grosso (3%), Espírito Santo (3,4%) e Mato Grosso do Sul (3,7%).
A situação é crítica para 1,85 milhão de pessoas que procuram emprego há mais de 1 ano, sendo 650 mil de 1 a 2 anos e 1,2 milhão que procuram há dois anos ou mais. Mas, em 2022, último ano do governo Bolsonaro, esses contingentes eram de 1,1 milhão e 2,5 milhões (total de 3,6 milhões). Outros dados nada confortáveis: a taxa de desemprego das mulheres é 53% maior do que a verificada entre os homens. E é 57% maior entre os pretos em relação aos brancos.
Entre os assalariados, os que têm carteira assinada são 74,4%, e os sem carteira somam 25,6%. Santa Catarina também pontua entre os estados com maior percentual de assalariados com carteira (88%), seguida de São Paulo (82,8%) e Rio Grande do Sul (82%). Na outra ponta, nada menos que 48,1% dos assalariados no Maranhão não têm carteira assinada. Percentual também elevado no Piauí (47,6%), Paraíba (44,7%) e Pará (43,2%).
Em relação às pessoas ocupadas por conta própria (formais ou informais), o percentual vem crescendo ano após ano, tendo chegado a 25,3% na média nacional. Alguns veem um copo cheio, resultado do avanço do empreendedorismo em largas parcelas da população, notadamente entre os mais pobres, o fenômeno dos Microempreendedores Individuais (MEI).
Porém, se considerarmos os milhões de microempreendedores inadimplentes com suas parcas obrigações tributárias e previdenciárias, reflexo do baixo rendimento auferido, além dos milhões de entregadores por aplicativos sem quaisquer direitos, o copo pode ser visto bem vazio. E esses trabalhadores por conta própria são mais numerosos nos estados onde as oportunidades de emprego formal são mais reduzidas, como Maranhão (33,1%), Pará (29,9%) e Amapá (29,1%).
E a alta taxa de informalidade é outro grave problema do mercado de trabalho brasileiro. É verdade que já esteve acima de 40% em anos recentes e no 3º trimestre de 2025 caiu para 37,8%. Mas ainda é muito alta. O dramático é que essa taxa chega a 57% no Maranhão (sempre o Maranhão!) e a 56,5% no Pará. Em outros quatro estados do Norte-Nordeste, supera os 50% e nos demais 10 estados das duas regiões, oscila entre 40% e 50%. Já o menor percentual da população ocupada na informalidade está em Santa Catarina (24,9%), seguida pelo Distrito Federal (26,9%) e São Paulo (29,3%).
Também o rendimento médio real do pessoal ocupado não é dos melhores, tendo sido de R$ 3.507 no último trimestre. Em síntese, os indicadores apresentaram sensível melhora nos últimos 3 anos, mas ainda permanecem sofríveis, reflexo de dezenas de anos do “capitalismo selvagem” adotado por uma elite empresarial que promove a superexploração dos trabalhadores em detrimento de uma política de valorização do fator trabalho, que teria como consequência o fortalecimento do mercado interno.
Superexploração agravada pela Contrarreforma Trabalhista proposta por Temer e aprovada pelo Congresso Nacional e que se expressa na recusa dessa elite empresarial em dar fim à escala 6×1. Talvez esteja na hora de deixarmos de tapar o sol com a peneira e observarmos que o copo está bem mais pra vazio.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan (atual IPEDF) e do Conselho Federal de Economia