Marcelo Neves nasceu no Recife em 1957, onde estudou Direito. Fez doutorado e pós-doutorado na Alemanha e na Inglaterra e livre-docência na Suíça. Foi professor da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, é professor titular de Direito Público da UnB.
Sua vida acadêmica é muito intensa, embora tenha passado um período no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por indicação na liderança do PT. Antes de filiar-se ao partido, militou na política desde 1974, na campanha do ex-senador Marcos Freire em Pernambuco. Nosso lema era “Sem ódio e sem medo”.
Nesta entrevista ao Brasília Capital, Marcelo conta que se envolveu na defesa de Dilma Rousseff e de Lula, sempre reiterando que não havia crime de responsabilidade e que não há nem prova nem crime cometido pelo ex-presidente. Foi nesse contexto que surgiu o convite de Lula para o conterrâneo ser o seu candidato ao Senado pelo PT do Distrito Federal.
Qual a sua principal bandeira como candidato ao senado pelo PT do Distrito Federal? – Um dos pontos básicos é a retomada de uma política de inclusão social e defesa dos direitos das pessoas, porque o Brasil é historicamente caracterizado pela grande exclusão e desigualdade. Mesmo as políticas desenvolvidas por Lula não foram suficientes, embora elas tenham reduzido essa exclusão social de 36 milhões para 5 milhões de brasileiros que se encontravam em pobreza extrema. Mas, com dois anos de governo Temer houve uma retomada desses números. Tivemos uma crescente de 5 milhões para 12 milhões. Para mudar esse cenário, pretendo lutar contra a exclusão através de uma reforma tributária radical que possibilite a retomada dos programas sociais, bem como revogar a emenda 95, que é tão prejudicial à educação.
Explique melhor a emenda 95. – A emenda 95 cria um modelo de austeridade para os pobres e para as políticas sociais. Não se trata de algo que prejudique assuntos banais, mas sim a Educação e a Saúde. Se nós mantivermos a emenda 95 iremos acabar com a universidade e saúde públicas no Brasil.
Após o afastamento da presidente Dilma, Temer fala muito em reformas. Quais reformas o senhor considera realmente necessárias para Brasil? – O Temer não está reformando. Ele está retrocedendo e reforçando a tradição brasileira de exclusão das grandes massas. O Brasil precisa de reformas básicas no âmbito social e tributário. É preciso proteger especialmente os direitos sociais que estão sendo destruídos com a reforma trabalhista avalizada por Temer. Somente com tais reformas poderemos qualificar nosso país como democrático e social, conforme exige nossa Constituição.
Da bancada de Brasília, o senador Cristovam Buarque, do PPS, tem o seu perfil. É um acadêmico com um discurso de defesa da educação. Qual a sua visão quanto à postura do senador Cristovam? – Cristovam Buarque não só traiu o Partido dos Trabalhadores quando votou pelo impeachment de Dilma como apoiou o processo contra Lula e votou a favor da emenda 95, que destrói a educação pública. De quebra, ainda votou a favor da reforma trabalhista. Acabou por fazer o contrário de tudo que tanto “defendia”. Foi contra todos os interesses dos trabalhadores e estudantes. Mostrou-se traidor não apenas do PT, mas do povo brasileiro. Hoje no Brasil o Cristovam é a maior representação de Judas para povo brasileiro.
Como o senhor combateria esse Judas? Eu combateria apontando para as suas contradições; contradições aos ideais que ele afirmou constantemente durante sua campanha eleitoral. Ele se posiciona contra a saúde pública e gratuita e defendendo a privatização Sistema de Saúde. Apoia ainda Temer e Rollemberg e procura destruir a saúde pública e o SUS quando defende a emenda 95. Então, são vários aspectos que podem ser apontados aonde ele trai os ideais de uma saúde pública digna, de uma educação pública digna e dos direitos dos trabalhadores.
Talvez para compensar a perda dos votos da esquerda, hoje ele busca apoio dos evangélicos. Como o senhor pensa em evitar que ele cresça nesse eleitorado? – Eu não posso admitir que a comunidade evangélica apoie um traidor com as mesmas características de Judas. Nós, religiosos ou não, somos seres humanos e temos que ter a lealdade e fidelidade aos próprios ideiais. Na religião, são valores fundamentais. É absurdo que a comunidade evangélica possa estar a favor de Cristóvam, porque todo traidor é mal-visto pela nossa tradição Cristã.
Brasília tem outros dois senadores, mas que não serão candidatos. Qual a sua avaliação do trabalho do Reguffe e do Hélio José? – O Hélio José será candidato a deputado federal pelo Pros, partido que nacionalmente está alinhado com o PT. Vamos conversar com ele e ver como poderemos nos ajudar. Ele tem origens no PT quando se tornou suplente na chapa de Rollemberg. Quanto ao Reguffe, eu discordo dele em vários aspectos, mas reconheço que ele, pelo menos, tem certa coerência. Discordo totalmente do voto pelo impeachment de Dilma. Foi um grande equívoco. Apesar disso, tem uma linha coerente. Votou contra reforma trabalhista e se aliou ao PT na emenda 95. Então, apesar de discordar dele, eu o respeito como uma pessoa coerente na política do Distrito Federal.
O senhor foi do CNJ e o seu partido acabou acusado de práticas de corrupção em escândalos como o Mensalão e o Petrolão. Como apagar essa má impressão deixada pelo PT? – Nós não tivemos um presidencialismo de coalizão como dizem os professores da USP. Nós tivemos um presidencialismo de extorsão. Setores do PMDB e do PP exigiam certos benefícios, às vezes ilícitos, às vezes lícitos, para aprovar medidas sociais importantes, deixando o governo nesse paradoxo. O governo teve que ceder cargos públicos para pessoas de pouca confiança. Então, houve erro do PT, mas todos os partidos têm falhas no elemento da corrupção. Isso não contamina todo o partido, principalmente o presidente Lula, que não praticou crime. Houve falhas no PT nesse quesito, e isso chocou a todos, porque o PT se apresentou com o discurso da ética. Mas essas falhas nós precisamos e iremos, sem dúvida, superar. Eu serei daqueles representantes do PT que dará enfase na tradição do partido e na ética política e não nos desvios ocorridos com alguns aliados e membros internos do partido.
Em sua opinião, a prisão do Lula é justa e corresponde efetivamente a crimes que ele tenha cometido? – Eu estudei o processo de Lula, pois participei voluntariamente de sua Defesa. Lula não praticou crime e não há provas quanto a isso. O que existe é uma delação do senhor Léo Pinheiro, que se trata de uma colaboração definida por lei como um meio para alcançar uma prova, e não a prova em si. Além do mais, há falhas quanto à classificação do crime. O crime de corrupção passiva exige que você possua um ato de ofício. Está na jurisprudência do Supremo desde o período de Collor (ex-presidente Fernando Collor de Mello). Porém, ela foi modificada no Tribunal Regional Federal com a participação de Moro (juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba) para condená-lo. Então, entendo que Lula não praticou crime. Não há provas, e isso é apenas para afastá-lo. É o segundo golpe para afastá-lo da disputa eleitoral em 7 de outubro.
O senhor vem da academia, morou no exterior tem serviços prestados à Nação, mas é desconhecido da população de Brasília. Como espera que as pessoas votem para tê-lo como representante no Senado Federal? – Dentro dos Setores de esquerda eu diria que um ponto fundamental é que eu tenho uma carta de Lula apontando que eu sou o candidato ao Senado de Lula. Isso é fundamental no meio das populações carentes e nos setores mais de esquerda. Nos setores de centro e simpatizantes do PT eu sou muito respeitado porque sempre fui um professor e jurista reconhecido, pautando minha conduta na comunidade acadêmica com muita coerência e honestidade. Então, para alcançar esses votos, dependerei de uma boa equipe de comunicação para que meu nome alcance os diversos setores da comunidade.
Qual o conteúdo dessa carta do Lula? – O Lula diz, de próprio punho, por intermédio do Eugênio Aragão, que o visitava no dia 25 de julho, em Curitiba, que agradecia a mim por me filiar ao PT e aceitar ser candidato ao Senado. Ele dizia: “o Brasil precisa de políticos como você, pois dignidade e caráter não se compra; ou você tem ou não. E você tem essas duas coisas que a política brasileira mais precisa no momento: dignidade e caráter. Abraços, Lula”. É uma carta muito bonita que já é um quadro na minha casa. Fiz uma moldura e deixei lá para os meus netos e bisnetos poderem ler.