Fátima Sousa (*)
Em mais uma demonstração do desprezo que sente pela educação e por quem se dedica ao ofício de transmitir conhecimento, o presidente da República sancionou, no dia 9 de março, a Lei Complementar 191/22, que confisca tempo de serviço de professores das redes públicas em todo o Brasil, de autoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP). Tal lei torna o período do isolamento social, de maio de 2020 a dezembro de 2021, inexistente para fins dos planos de carreira e obtenção de direitos como licença-prêmio e outros benefícios, e atinge também os demais funcionários públicos.
Segundo o governo, a exceção feita aos servidores da segurança, militares e profissionais das áreas de saúde, foi em reconhecimento pelo trabalho na linha de frente de combate à pandemia. O argumento busca trazer à medida algum sentido de justiça, mas não passa de uma falácia cujo verdadeiro propósito é reafirmar o desrespeito sistemático contra o funcionalismo, dentro do projeto de Estado mínimo, dedicado à dilapidação de nossas riquezas, à destruição de nossos ecossistemas e políticas sociais.
A medida despreza o trabalho remoto do funcionalismo, que, durante o período a que se refere a lei, precisou fazer mais gastos pessoais para se manter conectado às redes virtuais, enquanto as repartições públicas economizavam energia e insumos. No caso dos professores (as), o governo desconhece que eles (as) continuaram trabalhando, selecionando temas que podiam ser veiculados de forma alternativa, escrevendo tarefas em cartazes, corrigindo cadernos entregues em suas casas, fazendo parcerias com rádios e TVs comunitárias para transmitir conteúdos, buscando apoios para distribuição de equipamentos e acesso à internet.
Vale destacar, ainda, que, segundo o Censo Escolar de 2020, 96,4% dos docentes do ensino fundamental são mulheres, que culturalmente, têm dupla jornada de trabalho. Muitas chefiam famílias monoparentais. A medida atinge também o viés de gênero, que o governo nega peremptoriamente, apesar de considerar as mulheres “praticamente integradas à sociedade”, como disse o presidente no dia 8 de março.
Professores (as) fizeram tudo isso sob o estresse dos que conheciam a fome que assola muitas famílias, sem que as crianças pudessem aceder à merenda escolar, e diante da omissão de um governo que desprezou as políticas sociais emergenciais e queria servir restos de comida à população. A categoria sofreu o estresse por conhecer o contexto de violência e abuso sexual de muitas crianças em seus lares, muitas vezes as principais causas dos atrasos de desenvolvimento cognitivo, que tornam o ensino infantil um trabalho ainda mais árduo.
Juristas têm se manifestado em declarar a inconstitucionalidade dessa lei. Portanto, professores (as) e funcionários públicos em geral: procurem seus sindicatos. É importante mover uma grande ação conjunta nos tribunais contra mais esse absurdo e provar a sua inconstitucionalidade.
O episódio mostra, também, a importância de, neste ano, elegermos um presidente e uma bancada no Congresso Nacional capazes de barrar o avanço desse projeto de destruição nacional.
(*) Professora