“Eu me afastei por conta da depressão”. Camilla Moreno, de 37 anos, lamenta as consequências da doença no ambiente profissional. Ela trabalhava como livreira. Esse é um drama vivido por 75.281 brasileiros que precisaram se afastar dos empregos em 2016. Os números deste ano ainda não tinham sido divulgados quando a reportagem foi publicada.
“Tive que me apresentar várias vezes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por conta da depressão. Todas as vezes que fui, precisei apresentar atestados e laudos do psiquiatra aos médicos de trabalho. O benefício só me foi concedido uma vez. Fiquei doente, afastada do trabalho e sem dinheiro”
Apesar de Camilla ter total apoio dos chefes, eram os médicos do trabalho responsáveis pela perícia que detinham o poder de autorizar ou não a concessão do auxílio-doença acidentário ou previdenciário, por mais que o setor Recursos Humanos (RH) marcasse a perícia todas as vezes que ela precisou se afastar.
O auxílio-doença “sem apoio” da empresa
Pedro Campos, 31, teve uma experiência diferente com a depressão no antigo emprego. Ele expressa outro tipo de drama que atinge os funcionários não apenas no campo profissional, mas na vida pessoal também.
Pedro disse que não desistiu de tudo porque trabalha em algo que ama. Ele teve o acompanhamento de uma psicóloga que o encaminhou a um psiquiatra, teve o apoio do INSS e não precisou acionar nenhum advogado trabalhista. Porém, nem todos recebem o apoio que Pedro teve.
As lembranças de Judith*
“À época em que trabalhava fora eu não requisitava atestados para fins de afastamento. Eu já tinha ideia que estava em estado de alerta, mas apenas ia a consultas regulares com o psiquiatra, que eram na hora do almoço para não afetar meu trabalho”. Judith, 33, tinha uma dificuldade muito grande com a ex-chefe, que não via com bons olhos a necessidade de atestados. Em geral, trabalhava doente, conforme relata. A depressão se apresentava como enxaqueca crônica e, como trabalhava em ambiente hospitalar, ia à emergência, recebia o atendimento e voltava a trabalhar.
“Quando comecei a ficar muito doente por conta das outras enfermidades, minha chefe começou a dar sinais claros de que não aprovava isso. Uma das coisas que ela citou ao me demitir foi o uso de afastamento, mesmo eu me ausentando apenas por uma ou duas horas durante o expediente e compensando no mesmo dia de trabalho”.
Judith nunca emitiu atestado para depressão. Muito menos foi ao INSS e tinha muitas horas extras no trabalho. Atualmente, ela trabalha como home office e separa os dias da demanda. Ao entrar em crise, procura recuperar o tempo depois de melhorar um pouco. Ela tem conseguido balancear entre o trabalho e os cuidados com a saúde emocional.
Como saber se a depressão está relacionada ao trabalho?
Um funcionário com episódios depressivos (CID-10 — F32) ou transtornos depressivos recorrente (CID-10 — F33) pode se achar incapaz e anular os elogios dando preferência às falas que atestem aquilo que eles acreditam ser, pessoas que jamais serão capazes de crescer dentro da empresa. A psicóloga Ana Cecília Ferreira de Amorim explica que existem possíveis gatilhos que podem estar relacionados com a depressão no ambiente profissional.
Para quem trabalha em Recursos Humanos (RH), o afastamento de um empregado significa que ele precisa estar trabalhando no mínimo há seis meses e ter mais de 15 dias de atestados para entrar no INSS. Luciana Assunção, que trabalhou por um ano e meio como RH em uma corretora, relembra que um funcionário, para ser afastado, não precisa de 15 dias consecutivos, mas que o CID-10 referente ao quadro tem que ser o mesmo ou estar relacionado à mesma doença.
“Se o médico der um atestado de 30 dias, a empresa pagará 15 dias e depois o funcionário entra na perícia do INSS. Lá, o perito pode ou não prolongar o afastamento se acreditar que o funcionário precise do afastamento”.
Ela lembra de um momento conturbado em que um dos funcionários apresentou vários atestados de Síndrome do Pânico, mas a empresa nunca teve certeza se o caso era verdadeiro. “Ele trabalhou 90 dias normalmente, sem atrasos e dois dias após o fim da experiência, começou a se ausentar. A empresa até se dispôs a pagar um especialista de saúde mental, mas ele não foi à consulta”.
Por que se preocupar com a depressão no ambiente de trabalho?
Esse tipo de doença não abandona os portadores e tampouco deve ser guardada. Ela é silenciosa e destrói aos poucos a autoconfiança, o relacionamento no emprego e as chances de promoção.
Em 2016, o Brasil mostrou um crescimento aproximado de 16,58% de empregados afastados pelo INSS por depressão em relação a 2015. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou o país como o mais deprimido das Américas.
Em aspectos menos prejudiciais da depressão, mas que podem se agravar com o tempo, os empregados começam a apresentar desinteresse pelas atividades, a capacidade de realizar tarefas cotidianamente e perda da concentração.
No começo do vídeo “Vivendo com o Cão Preto da Depressão”, percebe-se frases que pessoas depressivas encaram no dia a dia. Esse tipo de funcionário muitas vezes pode não saber que está doente e, ao descobrir, fica em dúvida sobre como fazer no emprego.
“Quando trabalhei no Banco do Brasil, tive total apoio do plano de saúde da empresa, mas como não fiquei mais de 15 dias afastado, não precisei do auxílio-doença. Isso aconteceu um pouco antes de eu pedir demissão, mas desde que eu saí do Banco do Brasil, a minha saúde mental melhorou muito”, relatou Marcelo de Carvalho, sobre quando teve crise de depressão no antigo trabalho.
A depressão não apenas atrapalha o desempenho do trabalhador, mas pode colocá-lo em risco no aumento de sintomas como ansiedade, pensamentos de autolesão e suicídio. Nem todos sabem que possuem direitos trabalhistas ou que exista auxílio-doença que possa atendê-los.
“Nas crises que eu tive nos últimos oito anos, normalmente resolvi me excedendo no álcool, drogas e em me machucar. Então acabava voltando para a rotina no outro dia e a única vez que eu tive uma crise no trabalho, meu chefe praticamente agiu como um psicólogo” relata Mikael*, cuja depressão foi diagnosticada há sete anos.
Como agir?
O primeiro passo, tanto do funcionário, quanto das empresas está no reconhecimento da doença no ambiente de trabalho. A partir do momento em que é reconhecida a doença, é necessário procurar ajuda especializada. Algumas empresas possuem especialistas de saúde mental no quadro de empregados, outras não.
Simone Sampaio, assessora do Ministério do Trabalho, explicou que caso já tenha sido feito o diagnóstico, é necessário discutir com o médico a necessidade ou não de afastamento e a possível relação entre as condições do trabalho com a doença.
“Se houver suspeita de que a doença está relacionada ao trabalho, a pessoa terá de ser encaminhada à perícia médica do INSS, que fará a análise do nexo para reconhecimento ou não como uma doença ocupacional”, Simone complementou que quanto maior for a quantidade de informações apresentadas no momento da perícia melhor será para o funcionário. O relatório do médico assistente que acompanha e trata a pessoa não obriga o perito a reconhecer eventual nexo entre o trabalho e a doença.
“Não basta colocar a opinião de que o problema está relacionado ao trabalho, o médico assistente deverá embasar claramente essa opinião, descrevendo no relatório por que lhe parece um caso de transtorno mental ocupacional”.
Simone alertou que um relatório detalhado sobre as características do trabalho exercido pelo paciente servirá como mais um elemento de convicção para a análise do médico perito do INSS. Caso já tenha havido rompimento do contrato de trabalho (demissão), qualquer questionamento a possíveis direitos lesados só poderá ser feito via processo judicial.
Quais são os direitos trabalhistas das pessoas que sofrem depressão?
“Não existem direitos relativos a doenças específicas. Os direitos relacionados às doenças e acidentes do trabalho independem do tipo de agravo. Assim, o importante é determinar se a doença ou o acidente foi, de fato, causado ou agravado pelas condições em que o trabalho é realizado, o que é chamado de nexo ocupacional”.
Simone Sampaio reforçou que a avaliação do nexo é feita pela perícia médica do INSS, e os critérios estão elencados na legislação previdenciária, e não trabalhista, especialmente as Leis 8.213/91, Decreto nº 3.048/99 e instrumentos normativos internos do INSS. Assim, maiores detalhamentos sobre o reconhecimento do nexo ocupacional devem ser buscados nessas leis, e normas e eventuais dúvidas sanadas junto ao INSS e/ou à Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda.
Os principais benefícios acidentários são garantidos quando há afastamento por mais de 15 (quinze) dias. O trabalhador afastado pelo INSS recebe o depósito do FGTS durante o tempo de afastamento e a estabilidade provisória de um ano após o retorno ao trabalho.
Como o INSS encara a situação?
Segundo Vanessa Marques, assessora do INSS, “as pessoas que sofrem de depressão que as incapacitam para o trabalho ou para a atividade habitual podem solicitar auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, dependendo da avaliação da perícia médica do INSS, segundo a Lei 8.213/ arts. 42 ao 47 e 59 ao 63.” Ela observou que há diferenças entre auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez.
Os últimos dez anos de auxílio-doença no País
Apesar do crescimento da depressão no último ano, houve queda na última década. De acordo com a Previdência Social, essa redução pode ter várias causas, tais como busca por especialistas particulares, tratamentos alternativos e menor procura pelo auxílio-doença.