Júlio Miragaya (*)
Quando em 8 de novembro de 2019 Lula saiu da prisão em Curitiba, após 580 dias, fez um discurso que a uns empolgou e a outros assustou, prometendo combater a ferro e fogo as “elites” econômicas que montaram a farsa de sua condenação. Tom similar foi observado em seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 2023, para 100 mil pessoas diante do Palácio do Planalto, quando prometeu fazer do combate à desigualdade social que assola o País há séculos, a marca de seu governo. O “mercado” logo manifestou temor de um governo guiado pelo radicalismo.
Passados 4 meses, o radicalismo ficou no discurso e Lula parece ter optado por um governo pautado na moderação. Isto ficou claro na montagem do ministério, na estruturação da base parlamentar e na proposta do novo arcabouço fiscal enviada ao Congresso, servido ao gosto do “mercado” e atendendo a exigência do BC de maior rigor fiscal como uma das condições para reduzir a taxa de juros. Não entrarei no mérito se a melhor opção é mesmo contemporizar ou melhor seria radicalizar. Vou me ater a analisar as razões de Lula ter optado pela moderação.
Primeiramente, essa aposta parece ser, a Lula, o caminho mais seguro a seguir, até porque esta foi a sua opção em 2003, que ele e muitos julgam bem-sucedida. Tendo recebido de Bolsonaro um país destroçado, optou, nos dois primeiros anos, se dedicar a arrumar a casa. Assim, com o novo arcabouço fiscal, buscará impor limites às despesas, para, em 2025, retomar a geração de superávits primários, como o fez em Lula 1 e 2.
Para implementar ou reimplantar os programas sociais, tão demandados pela população mais pobre, Lula precisará de recursos financeiros. O básico conseguiu assegurar com a PEC da Transição, mas precisa de muito mais. E é aí que “a porca torce o rabo”. Para o segundo semestre, está prevista a votação da Reforma Tributária, mas sabemos que o “mercado”, com seus muitos defensores no Parlamento, deseja apenas a simplificação de nossa estrutura tributária, parando por aí.
O ministro Haddad tem dito que os recursos virão de quem tem muito e não está sendo tributado. Temos neste balaio os que se locupletam com a “farra das isenções” (que subtrai cerca de R$ 400 bilhões do orçamento federal, e que precisa ser fortemente podada); a sonegação e a elisão fiscal (o “maroto” planejamento tributário, que subtrai outro tanto), e a não tributação dos lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas (que impede a arrecadação de R$ 120 a 170 bilhões, dependendo da alíquota (20% ou 27,5%).
E como fazê-las passar no Congresso? Capacidade de convencimento não bastará, pois a maioria dos parlamentares é de direita e seguirá determinação da burguesia, daqui e de fora. Só uma grande mobilização social seria capaz de arrancar votos desta turma, o que não é uma aposta factível. Afinal, há uma relativa apatia da classe trabalhadora no País. Alguns culpam as direções sindicais, que não trabalham pela mobilização das categorias. Já estas culpam a própria base, que se mostra apática e desalentada.
Na verdade, tal situação decorre da evolução do mercado de trabalho nos últimos anos, com o substantivo avanço do trabalho autônomo e do emprego informal, essencialmente no setor de serviços, e a forte queda do emprego formal, notadamente na indústria. Categorias fortes no passado recente (metalúrgicos, químicos, petroleiros, bancários) decresceram em tamanho e, mais ainda, em capacidade de mobilização. Há duas semanas, citei aqui processo semelhante ocorrido com a classe operária russa entre 1913 e 1922, reduzida e alquebrada, incapaz de conter a usurpação do poder pela burocracia comandada por Stalin.
Lula 3 começa moderado, mas fica em compasso de espera, podendo ser empurrado para a esquerda se as direções dos movimentos sindicais e sociais conseguirem colocar em ação a classe trabalhadora. A conferir.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia