Júlio Miragaya (*)
Leon Trotsky, revolucionário russo/ucraniano e líder da Revolução Russa de outubro de 1917, escreveu, em 1924, o livro “As lições de outubro”. Mesmo que o sistema econômico capitalista e a onipotência do imperialismo se mantenham, nada menos que um século, milhares de quilômetros e profundas diferenças na situação econômica, social e política separam o outubro de 1917 na Rússia e o outubro de 2022 no Brasil.
Guardadas as assimetrias, algumas lições são oportunas, resistindo ao tempo e às distintas situações socioeconômicas e políticas. Segundo Trotsky, em setembro/outubro de 1917 uma polêmica se instaurou dentro do Partido Bolchevique. A Revolução, que havia derrubado a Monarquia em fevereiro, corria o risco de ser derrotada. À época, o país enfrentava as tropas alemães no curso da 1ª Guerra Mundial e o Governo Provisório de Kerensky tramava a transferência para o front das guarnições da capital Petrogrado (atual São Petersburgo), que eram simpáticas à Revolução, o que deixaria o soviete (conselho de operários, soldados e camponeses) local, já sob a direção do Partido Bolchevique, sem defesa.
Lenin defendia que não se podia perder tempo, pois a ameaça era real, e que o Partido Bolchevique era suficientemente forte em Petrogrado para tomar o poder. Já Trotsky defendia uma estratégia mais refinada. Acusando o Governo Provisório de pretender, após a transferência das guarnições locais para o front, desativar o soviete da capital, que presidia, Trotsky – contando que a imensa maioria dos soldados e marinheiros repudiava a guerra – convenceu as guarnições de Petrogrado, confrontando o Estado Maior do Exército, a permanecerem na capital.
Estava decidida a sorte da Revolução Russa: as guarnições formaram a base do Comitê Militar Revolucionário do soviete de Petrogrado, instrumento da insurreição vitoriosa, com o 2º Congresso Pan Russo dos Sovietes, reunido em 25 de outubro, endossando a deposição do Governo Provisório e a formação do Governo Soviético.
Ocorreu que tal estratégia não foi consensual no Partido Bolchevique. Em certo momento, havia uma maioria contrária à tomada do poder pelos sovietes, argumentando que os bolcheviques, embora já majoritários entre os operários, fossem extremamente minoritários entre os camponeses, que representavam mais de 80% da população do Império Russo, e que estavam sob a influência do Partido Social-Revolucionário (SR).
Diziam que, sem apoio dos camponeses, os bolcheviques não sustentariam o poder. O argumento de Lenin/Trotsky foi de que, só na condição de governo, seria possível atender imediatamente a principal demanda da massa camponesa, o acesso à terra – que estava nas mãos da nobreza e dos camponeses ricos (culaques) – tirando-os assim da influência dos SRs e trazendo-os para a defesa do Governo Soviético. Foi o que efetivamente ocorreu.
Em outubro de 2022, no Brasil, a candidatura liberal/semifascista, representante dos interesses dos setores financeiro, industrial e agrário da burguesia, obteve 58 milhões de votos (49% do total), angariando o apoio de amplos segmentos da classe trabalhadora na informalidade e da classe média baixa, cujos interesses são diametralmente opostos aos da classe dominante.
E qual a lição que se pode tirar de outubro de 1917? Da mesma forma que os bolcheviques conquistaram os “corações e mentes” dos camponeses, dando-lhes a terra, o Governo Lula só conseguirá retirar parte das camadas médias da influência dos liberais e semifascistas atendendo suas demandas.
Não há caminho fácil, pressões do mercado e das FFAA tentarão intimidar e limitar as ações de Lula. Por isso, revogação do teto de gastos, permitindo a ampliação dos investimentos em saúde e educação públicas; aumento real do salário-mínimo; revogação da Reforma Trabalhista, que favorece a precarização do trabalho; tributação sobre lucros e dividendos; amplo apoio à agricultura familiar e ampliação e barateamento do crédito às microempresas são medidas que, além de justas, solaparão a influência da burguesia nessas camadas da população.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia