A recepção ao presidente venezuelano Nicolás Maduro pelo presidente Lula em Brasília, na véspera da cúpula de chefes de Estado da América do Sul, provocou uma verdadeira histeria por parte de governadores e políticos de direita, assim como de líderes empresariais, ruralistas e até religiosos, com destaque para a saraivada de críticas vindas da chamada grande mídia.
Que a grande mídia assuma posicionamentos conservadores, não há nenhuma surpresa. Afinal, as nove maiores corporações da mídia brasileira (redes Globo, SBT, Record, Bandeirantes e grupos Folha, Abril, Estadão, RBS e Objetivo) são propriedades de famílias bilionárias, que há décadas fazem a defesa dos interesses da burguesia nacional e internacional, do Estado Mínimo, da privatização do patrimônio público, do capitalismo selvagem praticado pelo neoliberalismo, do ogronegócio (é pop!).
O que causou espécie foi o enorme empenho de alguns jornalistas em serem mais reais que o rei. Esses jornalistas bajuladores, especialmente da Globo News e da Folha de S.Paulo, foram unânimes em criticar asperamente Lula por ter dito que “as críticas ao regime de Chaves/Maduro não passam de narrativa”, como se não fosse a mais absoluta verdade. Narrativa evocada desde o Império do Norte.
A direita caracteriza o regime chavista como ditadura, desprezando o fato de que, desde 1998, tenham ocorrido na Venezuela seis eleições presidenciais (com quatro vitórias de Hugo Chávez e duas de Maduro) e cinco eleições legislativas (com quatro vitórias da coligação chavista).
Mas esses dóceis jornalistas, em sintonia com a narrativa de Washington, tratam os chefes de Estado dos seis regimes autocráticos do Golfo Pérsico (Arábia Saudita, EAU, Omã, Qatar, Bahrein e Kuwait) – onde não há eleição para o executivo e tampouco para o legislativo – não como ditadores, mas com os nobres títulos de reis, emires e sultões.
Quanto à Venezuela, os jornalistas aduladores, na companhia do permeável presidente chileno Boric, preferem ignorar que a grave crise econômica e social do país decorre de um criminoso boicote imposto pelos EUA, verdadeira sabotagem, indo desde a proibição a países e empresas de negociarem com os venezuelanos até o congelamento de seus ativos no exterior.
Nenhuma palavra também sobre o patético reconhecimento, por vários países. de Juan Guaidó como “presidente interino”, que além de nunca ter governado nada, foi defenestrado pela própria oposição venezuelana por ter se apossado de parte das reservas de ouro do país depositadas no Reino Unido.
Nada também é dito sobre a tentativa de golpe de Estado em 2020 operada pelo mercenário norte-americano Jordan Goudrou, dono da empresa Silvercorp. Assim como não se fala da tentativa de golpe conduzida por Washington contra Chávez em 2002.
Para a grande mídia e seus dóceis jornalistas, todo pecado cometido pelo Império do Norte merece perdão, desde a invasão do Iraque sob o falso pretexto de posse de armas de destruição em massa até a intervenção, em nome da “defesa da democracia” e da “ajuda humanitária” de países como o Afeganistão, a Líbia e o Haiti, seguida do mais completo desmantelamento econômico e social desses países.
Lembremos que o conceito de ditadura tem sido algo difícil para a grande mídia. Durante anos, a Rede Globo negou a existência da ditadura militar no Brasil, chamando-a de regime militar. Os jornalistas capachos não se cansam de criticar Ortega, presidente da Nicarágua, mas não se vê uma linha sobre o presidente-empresário Bukele, do vizinho El Salvador, que executou mais de 150 e encarcerou cerca de 70 mil salvadorenhos, na maior taxa de encarceramento do planeta.
E por que tamanha ojeriza ao chavismo? Simples, por ter ousado desafiar o Império do Norte, não ter se submetido. Dessa forma, recebe o mesmo tratamento dispensado há mais de 60 anos à pequenina Cuba, assim como ao Irã e à Síria.
Jornalismo é uma nobre profissão. O Brasil já produziu jornalistas da mais alta reputação, mas safras de jornalistas bajuladores, que vendem a própria consciência em troca de empregos que proporcionam elevados salários, negam à população a verdade dos fatos e maculam a imagem da categoria.