Em plena crise hídrica na capital da República, pequenos produtores rurais de Samambaia acusam a JBS de desviar o curso da água de uma nascente e dois afluentes do Córrego Samambaia. A intervenção provocou o desabastecimento em várias propriedades onde predomina a atividade agropecuária e prejudicou o ecossistema local.
O frigorífico, no entanto, afirma que a captação acontece há 20 anos e que tem amparo legal. Mas a Agência Reguladora de Água e Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) respondeu ao Brasília Capital que a empresa não possui outorga para retirar água do córrego
Os fazendeiros garantem que a captação é irregular. O caseiro Álvaro Francisco trabalha há seis anos no Sítio do Mineiro, a menos de um quilômetro da fábrica da JBS. Ele aponta para o indicador do nível da represa – abastecida pela nascente – e diz que o prejuízo nos negócios de seu patrão é real.
“Pensei que fosse algum problema na tubulação e fui atrás para descobrir. E vi que havia uma mudança no curso da nascente. Dividíamos o fluxo da água, mas agora não sobra mais nada pra gente”, disse.
Álvaro é responsável pela criação de 100 cabeças de gado no terreno, além de porcos e galinhas. Com o desabastecimento, segundo ele, os animais podem estar com os dias contados. “A fazenda tem mais de 45 anos e nunca havia acontecido isso. Eles afirmam que têm outorga do governo, mas nunca apresentaram nada pra gente”.
Agricultura
Afirmando ser uma “briga de cachorros grandes”, um produtor da região preferiu preservar sua identidade, por medo de represálias. Ele planta mandioca e milho e tem mais de 200 bois. “O córrego está quase seco. Isso impacta diretamente a nossa produção.
“Fui informado de que a JBS estava desviando o córrego por meio de um rego, para usar a água na fábrica. Teria que abrir um processo administrativo para que um acordo seja firmado e todos possam se beneficiar da água do córrego. Foi solicitada uma vistoria da agência e estamos aguardando uma solução”, disse o fazendeiro.
Gramado
Quem cuida da fazenda vizinha, pertencente à Igreja Adventista do Sétimo Dia, é o caseiro Paulo Alves, de 40 anos. Como o complexo de lazer só recebe visitas aos fins de semana, sua principal missão nos dias úteis é cuidar do gramado entre o auditório, o campo de futebol e o salão principal, além de criar peixes. Entretanto, com a estiagem e o desabastecimento, “nem com reza” consegue cumprir as tarefas.
“Eu molhava a grama duas vezes por dia. Agora, só dá para fazer isso durante 10 minutos a cada dia. Tenho que desligar o registro de hora em hora, porque se não tiver água para captar e o registro estiver ligado, ele queima. Isso dificulta também a criação de peixes”, disse Paulo, que mora na fazenda com a esposa e dois filhos.
JBS
A reportagem do Brasília Capital foi até à fábrica da JBS, onde um funcionário, apontado por um recepcionista como engenheiro ambiental, informou que a captação é feita há 20 anos com autorização de órgãos ambientais.
Segundo outro funcionário, a Polícia Militar Ambiental vistoriou o local e não constatou nenhuma irregularidade. Ele preferiu não se identificar e afirmou que “há uma perseguição contra o frigorífico” desde as investigações feitas pela Polícia Federal, no âmbito da Operação Carne Fraca.
Adasa
A assessoria de comunicação da Adasa informou que não foi encontrada nenhuma outorga em nome da JBS no córrego de Samambaia. “Existe uma fiscalização a ser programada para ocorrer no local decorrente de denúncia recebida durante esta semana. A captação em nascente é permitida, desde que atenda aos requisitos de finalidade do uso da água previstos em Lei”, diz a nota.