Há 30 anos Jorge Ben Jor fazia enorme sucesso com a música “W o Brasil”, que em seu refrão dizia: “Jacarezinho! Avião! Cuidado com o disco voador”. Sim, alertava os jovens “operários” do tráfico (os aviõezinhos) que tomassem cuidado com a polícia (disco voador). Na manhã de 6 de maio, o alerta não funcionou para 27 “aviões” que chegaram ao fim de suas vidas.
Haverá sempre os reacionários de plantão que dirão que não passavam de bandidos, e “bandido bom é bandido morto”. Para esses e para a polícia do Rio, basta ter ficha criminal. Vale lembrar que ficha criminal também teriam Bruno e Yan, jovens baianos que roubaram 4 pacotes de carne seca em Salvador, casotivessem sido encaminhados à delegacia de polícia para responder pelo crime de “roubo de comida”, e não sido entregues por seguranças de um supermercado para serem executados.
Há hoje no Brasil 31 milhões de desempregados – e não os 14,5 milhões divulgados, pois devem ser considerados os 6 milhões de desalentados e os 10,5 milhões forçosamente levados à condição de inativos – o que significa uma taxa real de desemprego de 26,5%. Ocorre que, entre os jovens, a taxa supera os 40%, e entre os jovens negros da periferia, como Bruno, Yan e os mortos do Jacarezinho, ultrapassa os 50%. Que futuro os aguarda?
Há 20 anos conheci Leonardo, um jovem frentista do bairro do Catumbi, Rio, que tinha sido “aviãozinho” no morro do Lins. Dizia que não queria repetir a história de seu pai, que após 40 anos de trabalho ganhando um salário mínimo, era, aos 55 anos, um homem envelhecido, pobre e doente. Leonardo ganhava em uma semana mais que o pai ganhava em um mês, mas sabia que poderia morrer a qualquer momento.
Ao ter seu primeiro filho, pensou que desejava vê-lo crescer, abandonou o tráfico e se empregou num posto de gasolina. Terá tido a oportunidade de desfrutar de uma vida diferente da de seu pai? Em 2020, 5.660 pessoas foram mortas no Brasil por policiais (1.240 no Rio), sendo que 78% eram negros. Já os policiais mortos por bandidos foram 198, sendo que 58 quando estavam em ação policial (os demais quando atuavam como seguranças privados ou quando estavam em trajes civis).
Não foi coincidência a chacina ter ocorrido no dia seguinte à ida de bolsonaro ao Rio para um encontro com o governador cláudio castro (perdão, mas não merecem letra maiúscula no nome), nem a crítica do chefe de polícia ao ativismo judicial, num desafio explícito à determinação do STF de limitar as incursões policiais nesse período de pandemia.
Segundo a polícia, o que motivou a ação macabra no Jacarezinho foi a denúncia de aliciamento de adolescentes pelo tráfico, como se isso não ocorresse hávários anos. Outras versões, contudo, apontam o desejo de vingança pela morte do policial André Frias no início da operação ou o desejo de expulsar o Comando Vermelho da favela, abrindo as portas para a milícia. Sim, estudos apontam que a milícia já comanda 25% dos bairros do Rio (e ocupa 57% do seu território). Bairros como Bangu, onde o vereador Dr. Jairinho e seu pai, o ex-deputado estadual e coronel da PM Jairo eram mandachuvas.
Para os 40 mil trabalhadores que moram no Jacarezinho, o sentimento é de humilhação: “tivemos nossas casas e lojas crivadas de balas”; “invadem as nossas casas, quebram tudo, porque somos pobres”; “eles nos tratam como se estivessem no Iraque”; “somos massacrados pelo Estado e não podemos fazer nada”.
Sim, Ben Jor, só nos resta chamar o síndico.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável e ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia