Em 1929, o surrealista René Magritte pintou “A traição das imagens”. O quadro apresenta um cachimbo acompanhado da frase “Isso não é um cachimbo”. Nas últimas semanas, o Congresso Nacional divulgou o que teria sido uma reforma política. Faltou apenas o alerta. Aquilo não é uma reforma política.
Dados apontam um grave problema de credibilidade na origem da proposta. O índice de Confiança Social (ICS/Ibope) deste ano reiterou constatação de levantamentos anteriores: Congresso Nacional e partidos políticos são as instituições em que o cidadão menos confia. O mesmo ocorre entre empresários. Pesquisa do Fórum Econômico Mundial divulgada no fim do mês passado aponta o Brasil como último colocado entre 137 países quando o assunto é confiança nos políticos.
Mudanças possuem uma dose de incerteza, o que pode frear movimentos desse tipo. No entanto, o sistema político-eleitoral brasileiro indica há muito a necessidade urgente de medidas capazes de reforçar mecanismos de representação e de responsabilização. Regras não necessariamente moldam comportamento, mas a profundidade do fosso sugere que não seria mau negócio arriscar. A moral enterrada na lama até poderia incentivar um comportamento nesse sentido. Não foi o que se observou.
O fim das coligações partidárias possui o potencial de conferir algum grau de ordenamento ao processo eleitoral. Mas isso só ocorrerá a partir de 2020, se é que a regra será mantida até lá. O prazo é uma eternidade em ambientes de insegurança jurídica. A tímida barreira relativa à cláusula de desempenho, com progressão percentual ao longo do tempo, atingirá o teto somente em 2030, quando deve chegar a3% dos votos válidos. Nunca é demais lembrar: no longo prazo, estaremos todos mortos.
O objetivo mais relevante a partir da perspectiva do status quo foi atingido e é para ontem. Diante das restrições às doações de empresas, os parlamentares garantiram um fundo eleitoral de quase R$ 2 bi. A lógica da autopreservação falou mais alto, concentrou benefícios entre os congressistas e partilhou custos entre eleitores.
Com pitadas surrealistas, essas mudanças foram propagadas como reforma política. A distância, porém, entre enunciado e realidade é abissal. Sob o risco da traição das imagens, vale o alerta: isso não foi uma reforma política.
Juliano Domingues é professor na Universidade Católica de Pernambuco e Creomar de Souza é professor na Universidade Católica de Brasília.