Júlio Miragaya (*)
Em tempos de Quarta Revolução Industrial, com uma indústria crescentemente automatizada, nível 4.0, não seria exagero classificar o anêmico e atrasado setor industrial do Distrito Federal como indústria 0.0. Enquanto a indústria de transformação no Brasil, mesmo em notória queda desde 2011, ainda responde por 15% do PIB nacional, no DF ela responde por pífios 0,9% do PIB local, no mesmo patamar de Roraima e Amapá.
O valor da produção da indústria de transformação brasileira em 2019 foi de R$ 920 bilhões, mas a contribuição brasiliense para este resultado foi de inexpressivos R$ 2,24 bilhões, ou 0,24%. Também o “zero ponto alguma coisa” foi notado na participação da indústria brasiliense no total das exportações industriais brasileiras: US$ 100 milhões num total de US$ 100 bilhões, ou 0,1%.
Enquanto no país a indústria de transformação responde por 68% do PIB industrial, superando a construção civil (18%), e os serviços industriais de utilidade pública (SIUP), que engloba energia, gás, água etc (14%), no DF ela responde por apenas 23,5%, superado pela construção civil (52%) e os SIUP (24,5%).
Além de inexpressiva, a indústria de transformação brasiliense é amplamente composta por empresas de pequeno porte e atuando nos setores menos dinâmicos: alimentos e bebidas, minerais não metálicos (cimento) e gráfica, mas em nenhum respondendo por mais de 0,5% da produção nacional.
Já nos setores mais dinâmicos, sua participação é para lá de pífia: eletrônica e informática (0,08%), material elétrico (0,03%), química (0,02%), siderurgia e metalurgia (0,02%), material plástico (0,01%) e máquinas e equipamentos, petroquímica e veículos automotores (0,0%).
Qual a razão para tamanho nanismo? Simplesmente a inoperância e omissão de seus sucessivos governantes, que há décadas alimentam alguns mitos. O primeiro: “Brasília foi concebida para ter exclusivamente funções político-administrativas e o exercício dessas funções e a atividade industrial são incompatíveis”.
Argumento ridículo, invalidado pelos robustos parques industriais encontrados em inúmeras capitais do planeta, como Buenos Aires, Cidade do México, Santiago, Paris, Berlim, Madri, Moscou, Tóquio, Pequim e Seul, para ficar apenas em alguns exemplos. Segundo: “A indústria não tem mais a mesma importância do passado”.
Desconhecem que a indústria ainda tem um grande peso nas economias de países desenvolvidos. E mais: são indutoras do desenvolvimento tecnológico e do setor terciário. Ignoram que um parque industrial robusto garante a vitalidade do setor de serviços (cada emprego gerado na indústria gera, em média, de 2 a 5 empregos no setor terciário.
Terceiro mito: “O DF não tem espaço para a instalação de plantas industriais”. A esses desinformados, cabe lembrá-los que Cingapura, com área territorial 8 vezes menor que a do DF e o dobro da população, ostenta um PIB industrial nada menos que 70 vezes maior que o nosso.
Há um quarto mito, de que a indústria é uma atividade altamente poluidora. Sim, foi e ainda é em muitos casos. Mas não faltam instrumentos tecnológicos e legislativos para garantir que a atração de investimentos industriais não resulte em degradação do meio ambiente.
A anemia industrial é a principal responsável pela nossa estrutura econômica pouco diversificada, pela elevadíssima taxa de desemprego e subemprego (a área metropolitana possui hoje quase meio milhão de desempregados e outro tanto de subempregados) e pela indecente desigualdade social e espacial da renda.
A omissão dos governantes reflete, além de ignorância, uma pressão egoísta da classe média local, que pensa estar preservando sua cidade, não obstante estar condenando milhares de brasilienses ao desemprego e subemprego.
Até quando os governantes locais vão continuar de costas para as necessidades do povo e acreditando em mitos?
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia