O governador Ibaneis Rocha deve gostar de briga. Mal o governo começou e ele já tem inimigos em três cantos do ringue. De um lado, os profissionais de ensino, que serão submetidos paulatinamente a um processo de militarização de até 40 escolas. Em outro, os estudantes, ameaçados de perder o passe livre estudantil.
Por último – pelo menos por enquanto –, os profissionais de Saúde, com o projeto de expansão para toda a rede do modelo de gestão do Instituto Hospital de Base, visto por muitos especialistas como privatização da atenção à Saúde. Com tudo isso, Ibaneis corre o risco de enfrentar greves duríssimas, que unirão estudantes e trabalhadores, o que lhe acarretará dificuldades para governar.
A militarização das escolas revela a inexistência de um projeto pedagógico mais profundo e eficaz. Levar militares da reserva para dentro das escolas, além de provocar um choque com os educadores, em nada mudará as condições de ensino. Instalações, laboratórios e bibliotecas continuarão do mesmo jeito.
Ibaneis deveria se orientar pelo modelo exitoso dos Institutos Federais de Ensino. Além de mais baratos do que as escolas militares, são mais eficientes e produtivos e, o que é melhor, não provocam desgaste social e conflitos entre as corporações. Por que não fazer um teste? Já que decidiu militarizar de pronto quatro escolas, por que não adota o modelo IFB em outras quatro e avalia quem vai ter o melhor resultado.
Mas Ibaneis não tem dinheiro para investir em escola pública e cria o factoide do colégio militar. Crianças fardadas, batendo continência, meninos com cabelo a máquina zero e meninas de coque na cabeça. Não é a pedagogia do cassetete trará mais conhecimentos às mentes da nossa juventude, e sim um modelo de ensino criativo, em local adequado – não ruindo ao chão – aprazível e em que os educadores tenham condições materiais e humanas de um bom trabalho.
Passe livre bloqueado
Todo mundo sabe que o trânsito de Brasília está cada vez mais engarrafado. No mundo todo, em situações como essa, os gestores incentivam o uso de transporte público. Além de retirar veículos das ruas, reduz gastos com infraestrutura viária, melhora a condição atmosférica, reduz a poluição e promove uma qualidade de saúde maior.
Em Roma, quando a poluição do ar chega a determinado nível, os carros são proibidos de trafegar e o transporte público se torna gratuito. A Alemanha, também com a meta de reduzir emissões de gases poluentes nas grandes cidades e tornar o trânsito mais tranquilo, começa este ano a testar o transporte público gratuito em cinco cidades: Bonn, Essen, Reutlingen, Mannheim e Herrenberg.
O GDF vai comprar uma briga antes mesmo de saber que benefício isso irá trazer. Não sabe a quantidade de estudantes de alta renda – que ficariam desprovidos do passe livre – que efetivamente se vale do passe estudantil. Pela quantidade de carros nas portas dos colégios, eu arriscaria dizer que os detentores de maior renda praticamente não usam ônibus.
O que o governador deveria fazer é criar condições para a inclusão de mais passageiros no transporte público. Nos Estados Unidos, os famosos ônibus amarelos levam e trazem os estudantes, independentemente de padrão de renda, de casa ao colégio. Na França, as empresas de ônibus criam condições especiais para que casais ou mesmo famílias inteiras andem de ônibus e metrô. Campanhas do tipo “viaje dois e pague um”. Até nas férias escolares são concedidas condições diferenciadas para que o jovem desempenhe suas funções.
A mudança nas regras do passe estudantil pode até provocar uma redução na despesa dos subsídios pagos às empresas, mas certamente irão trazer mais gastos com recuperação de vias públicas, construção de novos estacionamentos e, inclusive, com Saúde Pública. Além disso, numa cidade com cerca de 340 mil desempregados e milhares de subempregados, se a linha de corte do perfil de renda for muito baixa – há cidades que usam como parâmetro o salário mínimo – o risco maior é que a evasão escolar aumente. Ai o prejuízo social será imensurável.
Todo esse problema de reembolso de gratuidade de transporte público poderia ser evitado se o GDF remunerasse as empresas de ônibus por quilômetro rodado e não por passageiro transportado. O custo operacional de um ônibus que vai do Gama ao Plano Piloto é o mesmo se ele vai cheio, vazio ou com metade da capacidade.
É esse custo que deve ser pago aos operadores do sistema. Essa fórmula incentivaria, inclusive, a utilização de mais ônibus pelas empresas, trazendo conforto aos passageiros. Hoje a lógica é o oposto. Poucos ônibus hiperlotados são mais lucrativos. A remuneração por qujilômetro rodado permite inclusive que linhas altamente lucrativas – que transportam muitos passageiros – subsidiem aquelas que não se sustentam por si só.
TCB
Ibaneis deveria inclusive focar a TCB no transporte escolar. O GDF recebeu nos governos Lula e Dilma dezenas de ônibus escolares – os amarelinhos –, mas prefere operar contratando transporte privado em ônibus sucateados que colocam em risco a segurança de nossas crianças. Esta seria uma forma de revitalizar a TCB e propiciar um transporte mais seguro do que o transporte escolar existente, que levanta muitas dúvidas sobre a forma de como são escolhidos e contratados pelo Estado.
Privatização da Saúde
O ex-governador Rodrigo Rollemberg abriu a porteira, com a aquiescência da maioria dos distritais, e o Hospital de Base deixou de ter uma gestão pública. A medida não resultou em maior eficiência. Pelo contrário. Dados oficiais apontam que caiu a produtividade do HBB.
Em consultas médicas, o IHB atendeu 17% a menos. No ano passado, foram 7 mil consultas mensais a menos do que na média histórica de 2000 a 2014. Isso significa que mensalmente 7 mil brasilienses tiveram que postergar seus atendimentos ou não foram atendidos sob o novo modelo. O mesmo aconteceu com as cirurgias. O volume de operações caiu 11%: cerca de cem cirurgias a menos todo mês.
Desde que o ex-governador Joaquim Roriz extinguiu o programa Saúde em Casa, em 1999, Brasília vive dramas de atenção a Saúde Pública. Sem atendimento na base e de ações preventivas, a outra ponta, a dos hospitais, não consegue suprir as necessidades.
Quando foi extinto, o Saúde em Casa atendia 70% da população do DF, numa época em que não existiam UPAs, o Paranoá, Santa Maria e Samambaia eram desprovidos de hospitais regionais e no Recanto das Emas existia um único posto de saúde. Com o trabalho de casa em casa, mais de 400 equipes com médicos, dentistas, enfermeiros e agentes comunitários aliviaram a carga dos hospitais. Os Centros de Saúde ganharam folego para desempenhar seu papel e nos hospitais apenas os casos de alta gravidade eras encaminhados.
De lá para cá, os governantes apostaram em construir prédios para novas unidades de Saúde, novos hospitais, UPAs – algumas até ficaram abandonadas pela metade – mas esqueceram das ações básicas de Saúde. Até mesmo a aplicação de vacinas no DF passou a apresentar níveis inferiores de cobertura vacinal. UPAs e Hospitais, sem recursos humanos e materiais suficientes, não conseguem suprir a demanda, cada vez maior em decorrência da migração de milhões de ex-portadores de planos de saúde para o SUS.
Basta um olhar para o passado para perceber que a saída não está na criação de Organizações Sociais para gerir a Saúde. É preciso retomar a regionalização e hierarquização do sistema de Saúde. Investir no atendimento na base para evitar o acúmulo nos hospitais. É mais barato e mais eficiente.
Goiás e Rio de Janeiro nos mostram que o modelo de Organizações Sociais foi parar na delegacia de polícia. O que é apresentado como solução para uma gestão eficaz – métodos mais simples de compras e de contratação – abrem as portas para às falcatruas e maracutaias.
Desde a Constituição de 1988, o Brasil vem estabelecendo normas na busca da moralização da gestão pública. Foi criada a Lei 8.666 para disciplinar as compras públicas. Emprego, só via concurso público.
Durante algum tempo tentaram burlar essas regras. Quem não se lembra dos famosos Trens da Alegria? Como não há mais escapatória, criaram a fórmula das Organizações Sociais. Com elas, não é preciso concurso público e as regras para as compras são bem mais flexíveis.
Como revelado em Goiás e no Rio, essa fórmula facilita o assalto aos cofres públicos. A Saúde hoje guarda uma grande verba no SUS. Em todo o Brasil são previstos R$ 128,2 bilhões e tem muita gente de olho gordo.