Não, não se trata de exagero nem ironia caracterizar o Governo Lula como do PT/Centrão. Embora o PT tenha ficado com ministérios centrais (Fazenda, Desenvolvimento Social, Educação e Casa Civil), assim como Saúde e Justiça ficaram também com a esquerda, é fato que praticamente toda a área de infraestrutura está nas mãos do Centrão (Ministérios de Energia, Transportes, Portos e Aeroportos, Cidades, Integração Nacional e Comunicações), além de Planejamento, Agricultura, Pesca, Turismo, Esportes e estatais como Caixa, Codevasf e Funasa.
Era óbvio que Lula, eleito presidente, deveria buscar atrair partidos de centro-direita para poder aprovar alguma coisa no Congresso Nacional. Não obstante os 51% dos votos dados a Lula, as bancadas de esquerda e centro-esquerda dos partidos que o apoiaram no 1º turno (PT, PSol, PCdoB, PSB, Rede, PV, Avante, Solidariedade e PROS), acrescidas do PDT, somavam apenas 139 deputados (27% do total) e 16 senadores (20%).
Foi decidido, portanto, ampliar à direita. Inicialmente, foram atraídos o MDB, tradicional “balaio de gatos”, e o PSD do “camaleão” Kassab (homem forte do Governo Tarcísio, em São Paulo), espécies de Centrão não assumido. Embora a bancada governista tenha crescido para 225 deputados, ainda era minoria na Câmara (44%), com uma tênue maioria no Senado (42 senadores, ou 52%).
Decidiu-se, então, ir mais à direita e atrair o “Centrão raiz” – União Brasil (fusão do DEM com o PSL), PP e Republicanos. Com a entrada de 149 deputados e 17 senadores desses três partidos, a bancada governista passou a 73% dos deputados (374) e senadores (59). Fora do governo ficaram o PL (98 deputados e 12 senadores) e os nanicos autoproclamados “liberais éticos” (PSDB, Podemos, Cidadania, Novo e PRD), com 41 deputados e 10 senadores.
Mas o fato é que os 139 deputados dos nove partidos de esquerda e centro-esquerda são franca minoria na bancada governista na Câmara, ante os 235 deputados dos partidos de direita e centro-direita. O mesmo ocorre com os 16 senadores dos partidos progressistas ante os 43 senadores dos partidos conservadores.
Embora a atração do Centrão tenha se dado mediante a ampla concessão de emendas parlamentares e a entrega de ministérios e estatais, isso não implicou na entrega de todos os votos ao governo, e tampouco significou a adesão ao programa que elegeu Lula. Pelo contrário. Esta é a questão.
Não obstante a aprovação pelo Congresso da retomada de programas sociais importantes (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Farmácia Popular, FIES), o Centrão dará seus votos para uma pauta que vá na linha da tão necessária transformação da estrutura social do Brasil?
Até agora, as duas votações mais relevantes no Congresso (aprovação do Arcabouço Fiscal e simplificação da estrutura tributária) tiveram o apoio do Centrão, pois têm natureza nitidamente liberal. Mas, quando chegarem pautas como a tributação sobre renda e riqueza, reforma agrária e reforma política, como votará o Centrão?
Eu desconfio, e tenho o pressentimento de que, sem mobilização social, nenhum avanço relevante ocorrerá.
Palestina – Finalmente, o posicionamento do Governo Lula encontrou o tom certo. Após um período titubeante, com a apresentação de uma resolução no Conselho de Segurança da ONU que fazia clara concessão aos EUA e a Israel, ao não propor um imediato cessar-fogo, Lula, após condenar o insano assassinato de 1.200 pessoas no sul de Israel (900 civis), finalmente denunciou os crimes de guerra cometidos pelo governo de Netanyahu, com o apoio de Biden.
A carnificina em Gaza vem se intensificando: 12 mil civis mortos, sendo 5 mil crianças, 220 mil casas destruídas e 1,5 milhão de pessoas deslocadas, enquanto cresce a repressão na Cisjordânia (200 mortos) e os bombardeios no Líbano (90 mortos) e na Síria (20 mortos).
Um cessar-fogo se impõe. E numa clara retaliação pelo não alinhamento do Brasil com as potências ocidentais, Israel postergou injustificadamente a saída de brasileiros de Gaza. Para culminar, o embaixador de Israel no Brasil fez críticas públicas a Lula e se reuniu com a bancada bolsonarista no Congresso e com o próprio Bolsonaro, numa evidente intromissão na política interna brasileira.
O que o Governo Lula está esperando para declarar esse embaixador “persona não grata”?