Reza a tradição que o governo de plantão promova, no Congresso Nacional, um agrupamento de partidos visando compor uma maioria, deixando a oposição como minoria. Porém, no governo Lula 3, parece que é assim, mas não funciona bem assim. É do conhecimento de todos o enorme descompasso entre a votação obtida por Lula no 1º turno em 2022 (48,4% dos votos) e a votação para a Câmara Federal obtida pelos nove partidos que o apoiaram (PT, PCdoB, PSOL, PSB, PV, Rede, Avante, Solidariedade e PROS), suficiente para eleger apenas 121 deputados federais (23,6% do total).
Mesmo acrescida dos 18 deputados eleitos pelo PDT, a bancada de esquerda e centro-esquerda somou apenas 139 parlamentares (27,1%). No Senado, foi ainda pior: esses partidos somam apenas 16 cadeiras (19,8% do total). Para ampliar sua base no Congresso, Lula se viu obrigado a incorporar no governo dois partidos grandes – o MDB, cuja maioria o apoiou no 2º turno, e o PSD, que ficou dividido, no muro.
Embora os 26 senadores do PSD/MDB lhe dessem uma ligeira maioria de 42 parlamentares, os 86 deputados de ambos, somados aos 139 iniciais, resultavam numa base de 225 parlamentares na Câmara, 32 a menos do que os necessários 257 para constituir maioria. E Lula teve que buscar ampliar ainda mais sua base.
Dessa forma, foi atrás do União Brasil (UB), PP e Republicanos, o “coração” do Centrão, aos quais ofereceu ministérios, órgãos federais e vultosos recursos em emendas parlamentares. Em tese, estaria trazendo 149 deputados federais, formando uma robusta maioria na Câmara (374 parlamentares, ou 73% do total) e 17 senadores, ampliando a maioria no Senado para 59, ou também 73% do total. Em tese!
Ocorre que quando ocorrem votações de projetos de interesse do governo, essa maioria vira minoria. Na última semana, o governo sofreu duas fragorosas derrotas. Na apreciação do veto de Lula à absurda lei do Marco Temporal aprovada pelo Congresso, a maioria se esvaiu. Foram 321 votos na Câmara pela derrubada do veto e apenas 137 favoráveis. No Senado, 53 a 19. Dos 374 deputados “da base”, pífios 78 votaram com o governo. No Senado, apenas 13 dos 59. Só não houve voto pela derrubada do veto no PT, PSOL e PCdoB. Até nos próximos PSB, PV, PDT, Avante e Solidariedade foram 16 votos na Câmara contra o governo (de 50) e 4 no Senado (de 7).
Mas foi no maroto Centrão (UB/PP/REP) – que integrou o desgoverno Bolsonaro e que defendeu sua reeleição – e nos ecléticos MDB/PSD, que a “porca torceu o rabo”. Dos 235 deputados desses partidos, o governo contou com o voto de míseros 24 (10%). Nada menos que 183 (78%) marcharam com a “minoria” e ajudaram a oposição a derrotar o governo. Até o ministro da Agricultura se prestou a isso. Outros 28 se ausentaram. No Senado, dos 43 senadores dessas cinco legendas, o governo contou com apenas 8 votos, e 28 se alinharam com a oposição.
O veto de Lula às espúrias desonerações fiscais sofreu derrota ainda maior: 378 votos pela sua derrubada na Câmara e 60 no Senado. Membros do governo tentaram atenuar o constrangimento comemorando com ufanismo a aprovação da reforma tributária. Mas não há o que comemorar, pois ela saiu ao gosto dos conservadores, não vai muito além de uma simplificação e racionalização tributária, em praticamente nada alterando a imensa regressividade de nossa estrutura tributária.
O governo espera contar com os votos do Centrão quando forem votadas as tributações sobre lucros e dividendos da pessoa física, juros sobre capital próprio e grandes fortunas? Algum palpite?
Em 1972, Vinícius de Moraes e Toquinho compuseram Regra Três, em que diziam “porque você, rapaz, abusou da Regra Três, onde menos vale mais”. Meio século depois, ocorre o inverso no governo Lula 3, onde mais vale menos. Ou seja, a maioria é minoria. Só nos resta perguntar: Base! Que base?