Qual o efetivo papel das Forças Armadas? A Constituição de 1988 diz, no artigo 142: “As Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais (Executivo, Legislativo e Judiciário)”, ou seja, garantir a existência e a independência de cada um dos três poderes. Mas, parece que o ministro da Defesa, general Braga Neto, não vê assim. Em ato promovido por ruralistas em Brasília em 15 de maio, Braga Neto afirmou que “o agronegócio é a força deste país, e as FFAA estão aqui para proteger os senhores”.
Como assim? Até onde se saiba, latifundiários, ruralistas ou o lúdico “homens do agronegócio” não são a Pátria, e muito menos um dos poderes constituídos. Não são suficientes as polícias militares, civis e seus jagunços para protegê-los? Como um Ministro da Defesa pode atentar contra a própria CF e reduzir o papel das FFAA a tão desprezível função? Sim, desprezível. É necessário que se ponha os “pingos nos is” e desmistificar certas inverdades, pois, no balanço de perdas e ganhos econômicos para o país, o agronegócio está em débito. De positivo, consta basicamente a contribuição para o saldo positivo na balança comercial, obtido a partir das exportações de soja, milho, açúcar, café, algodão, carnes e celulose. Bom para nosso Balanço de Pagamentos, mas, sobretudo, lucros extraordinários para os latifundiários.
Mas é precisamente a sanha por exportar (e produzir ração animal) que faz com que a área plantada com soja, milho e cana avance, ocupando atualmente 80% de toda a área plantada no país. Para a produção de alimentos que o povo brasileiro consome (feijão, arroz, mandioca, hortaliças, legumes e frutas), a área plantada é cada vez menor e mais restrita aos agricultores familiares e aos médios produtores rurais. Daí advém dois sacrifícios para o povo nas cidades: de um lado, a cotação em dólar dos produtos exportados gera uma forte alta dos preços de óleo de soja, fubá, açúcar, carnes etc no mercado interno; e, de outro, a redução da área cultivada com alimentos básicos, que resulta na estagnação da produção e consequente elevação de seus preços.
Mas o passivo gerado pelos latifundiários, notadamente os “sojeiros” e pecuaristas, não fica só aí. Entram ainda a grilagem de terras públicas; a invasão de unidades de conservação; a tomada de terras indígenas (especialmente no Mato Grosso do Sul); o frequente uso de trabalho escravo e infantil e os recorrentes calotes de suas dívidas junto ao Banco do Brasil. Embora o ministro contrabandista de madeira Ricardo Salles considere que “o agronegócio é o melhor amigo do meio ambiente”, o fato é que “sojeiros” são mestres em destruição das matas ciliares, assim como os pecuaristas são exímios promotores do desmatamento da Amazônia. E sequer pode se falar em contribuição substantiva na geração de emprego, pois um latifúndio de soja ou gado bovino ocupa não mais que “meia dúzia” de trabalhadores.
Como o propósito aqui é questionar certos mitos, outros dois têm sido desmistificados: o de que militares têm vida espartana ruiu com os privilégios que lhes foram conferidos na Reforma da Previdência e com o desrespeito ao teto salarial, obtendo direito ao “duplo salário”. Já o de que militares não se envolvem em corrupção desabou com as falcatruas do coronel Divério, do Ministério da Saúde do Rio, nos fazendo recordar das propinas que rolaram soltas durante a ditadura militar (Transamazônica, ponte Rio-Niterói, Angra I, Ferrovia do Aço, Polo de Camaçari etc).
Fundo do poço: após Pazuello, militar da ativa, infringir o Código Militar ao discursar em ato político no Rio, em que mais uma vez Bolsonaro ameaçou usar o “meu exército” contra os governadores, Braga Netto se curvou ao ex-capitão e pressionou o comandante do Exército a “pegar leve” com o ex-comandante do “Ministério da Morte”.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia