EUA condena Rússia pela ameaça de invasão à Ucrânia e não olha para a sua própria história de ocupação de países em todos os continentes
Júlio Miragaya (*)
Não se sabe quem criou o ditado popular do título acima. Mas ninguém faz mais uso dele que os EUA. Com a maior desfaçatez, o país que quase deflagrou a 3ª Guerra Mundial em 1962, quando a União Soviética pretendeu instalar mísseis em Cuba, hoje $eduz a Ucrânia a se associar à OTAN, possibilitando colocar seus mísseis a cerca de 50 Km de cidades russas, como Rostov, Belgorod e Gomel (Belarus).
Os EUA condenaram a incorporação pelos russos, em 2014, da Península da Crimeia (território historicamente russo e decisão referendada por 77% dos eleitores da região). No entanto, sem qualquer consulta à população e com o uso da força, em 1836 os americanos tomaram o Texas do México, em 1836; o extenso território envolvendo Califórnia, Nevada, Utah, Novo México e Arizona, também do México, em 1845; o Havaí, de sua rainha Liliuokalani, em 1893; Porto Rico, Cuba e Filipinas, da Espanha, em 1898; e o Panamá, da Colômbia, em 1903.
Prática também corriqueira de seus aliados da OTAN, os decadentes imperialismos britânico e francês. Para ficar apenas no continente europeu, os britânicos ocuparam, pela força (e lá estão até hoje), o norte da Irlanda e o território espanhol de Gibraltar; os franceses ocuparam as “italianas” Córsega e Saboia.
Olhem pros seus rabos, macacos!
Agora os EUA condenam o apoio russo à secessão dos oblasts (províncias) de Donetsk e Luhansk, territórios historicamente russos, de maioria étnica russa e onde a esmagadora maioria fala o idioma russo. Mas, entre 1992 e 1995, fizeram o oposto, impondo à Iugoslávia, mediante bombardeios, a secessão da Bósnia Herzegovina, e voltaram a bombardear Belgrado em 1998/99 para impor a secessão do Kosovo, território integrante da Sérvia desde 1180 (mesmo quando administrado pelo Império Otomano de 1455 e 1912).
Os exemplos de incentivo dos EUA à secessão de territórios são inúmeros: concitou a fragmentação da URSS na década de 1980; promoveu a secessão do sul do Vietnã em 1954, após o Viet Minh derrotar os exércitos coloniais japonês (1945) e francês (1954); sustenta econômica e militarmente Taiwan, província rebelde da China, assim como estimula movimentos secessionistas no Tibete e no Turquestão Chinês.
A atuação dos EUA na Ucrânia, desde a desintegração da URSS, segue o velho modelo ianque: movimentação dos agentes da CIA acreditados como adidos militares na embaixada; “compra” da mídia local e internacional; manipulação de organismos internacionais para plantar suas versões dos fatos; financiamento a ONGs norte-americanas ou locais que promovam protestos “espontâneos” contra governos “inimigos”; etc.
Foi assim na chamada Revolução Laranja (2004) e no Euromaidan (2013/14). Nada diferente do que fizeram no Chile em 1973; no Brasil em 1964 (IBAD, IPES) e 2013 (MBL, VPR, Millenium); no Oriente Médio (financiamento do Taleban e do ISIS) e continuam fazendo em Cuba e na Venezuela.
Na Ucrânia – cuja elite política anticomunista apoiou o Exército Branco contra o Exército Vermelho durante a Guerra Civil em 1918/21 e apoiou a invasão nazista à URSS em 1941/44 – os EUA buscam desestabilizar a Rússia, forçando sua entrada na OTAN e financiando grupos neonazistas que perseguem a população de etnia russa no Donbass, o que, obvia e justamente, suscitou a intervenção de Putin.
Biden parece se divertir jogando “pimenta nos olhos dos outros como se fosse refresco”. Mas o insosso presidente se esquece de que agora está mexendo com peixe grande, e se vê obrigado a engolir um outro ditado popular: “Quem semeia vento, colhe tempestade”.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia