“Conversa pra boi dormir” é uma expressão popular usada quando alguém busca enganar o outro com uma conversa ardilosa. A Câmara dos Deputados aprovou, por larga margem (392 a 71), projeto encomendado por Bolsonaro a Arthur Lira (PP-AL), alterando a regra de cobrança do ICMS sobre combustíveis (gasolina, álcool automotivo e diesel).
Contou, óbvio, com os votos do “Centrão”, mas, para surpresa de muitos, com ampla maioria dos votos das bancadas de oposição. Penso que estas caíram numa armadilha, numa conversa pra boi dormir. Afinal, embora Bolsonaro venha tentando imputar a responsabilidade aos governadores, todo o Brasil sabe que não é o ICMS que encarece os preços dos combustíveis, mas a política de preços da Petrobras implementada por ele.
Em maio de 2016, quando Dilma foi deposta, a alíquota média do ICMS (28%) era rigorosamente a mesma e o preço médio da gasolina nos postos (R$ 3,16) era menos da metade do atual. Ao vincular os preços dos derivados no mercado interno ao preço internacional do petróleo (e, consequentemente, à cotação do dólar), o desgoverno Bolsonaro “ignora” que o custo de extração do petróleo no Pré-Sal (quase 80% da produção interna) é muito inferior ao custo médio mundial, e que a maior parte dos custos de processamento do óleo (insumos, mão-de-obra) é paga em real.
Margem de lucro
O resultado tem sido um crescimento exponencial da margem de lucro da Petrobrás. No primeiro semestre de 2021, a estatal distribuiu R$ 41,6 bilhões de dividendos. Como a fatia da União é de apenas 37%, nada menos que R$ 26,2 bilhões (63%) foram parar nos bolsos dos acionistas privados (R$ 17,1 bilhões de acionistas estrangeiros e R$ 9,1 bilhões de locais).
Ocorre que, com a nova regra do ICMS sobre combustíveis, estima-se redução de até 50 centavos no preço da gasolina nos postos em 2022, e certamente muitos parlamentares não quiseram aparecer na foto contra um desejo da população, revoltada por pagar até R$ 7 por um litro de gasolina.
Claro que o Parlamento é um espaço de negociação, mas tem coisa que não dá para ceder, como foi o caso da privatização da Eletrobras, será o da privatização dos Correios, a PEC 32 e deveria ter sido o projeto de Lira/Bolsonaro. O Conselho de Secretários de Fazenda estima que a redução do ICMS diminuirá a arrecadação dos estados e municípios (via repasses) em R$ 30 bilhões em 2022.
Desvalorização do real
O pior é que poderá ser em vão, pois, persistindo a desvalorização do real e o aumento da cotação internacional do petróleo, a redução no preço dos combustíveis desapareceria e restaria a queda na receita de ICMS e o aumento no lucro da Petrobras. Enfim, ampliam-se os ganhos extraordinários dos acionistas privados às custas da redução dos recursos destinados à saúde, educação, segurança etc.
Ademais, a oposição isenta Bolsonaro da responsabilidade pelo aumento dos preços dos combustíveis, fortalece sua política de gestão privada da Petrobras e pavimenta seu projeto de privatizá-la, algo que já vem sendo feito “pelas beiradas”. Em suma, a eventual redução dos preços dos combustíveis não passa de conversa pra boi dormir e, enquanto isso, a vaca continua indo pro brejo. Agora, com a palavra o Senado, Federal, a casa dos estados.
Impeachment
Sabemos que a suposta pedalada fiscal foi mero pretexto, que Dilma foi derrubada porque a inflação chegou a 10%; o dólar a R$ 3,48; a gasolina a R$ 3,16 e havia 14,1 milhões de desempregados. Hoje, a inflação bateu os 10%; o dólar passa dos R$ 5,50; a gasolina está em R$ 6,70 e são 24 milhões de desempregados. De lambuja, 600 mil mortos pela covid.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital