Estarrecido, o Brasil tomou conhecimento do covarde assassinato do menino Henry, cometido pelo vereador Dr. Jairinho, com a conivência da mãe da criança, segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Mas o que tem a ver este crime com o título do artigo? Simples: a prática da violência e o desprezo pela vida alheia nutridos pelos três desalmados citados.
Autointitulados “cidadãos de bem, probos, defensores da família, cristãos devotos e patriotas”, Coronel Ustra era um torturador psicopata; Bolsonaro – que já lamentou que a ditadura militar brasileira não tenha matado 30 mil, como a argentina – é fã de Ustra e hoje faz escárnio com a morte dos 360 mil brasileiros pela covid; e Dr. Jairinho, bolsonarista, é torturador e assassino de criança.
A investigação sobre Dr. Jairinho revela a ligação dele e de seu pai, coronel Jairo (ex-deputado estadual), com as milícias que atuam na Zona Oeste do Rio. Constam contra Dr. Jairinho agressões à ex-mulher, à filha desta e tortura em 2008 a uma jornalista e a um fotógrafo do jornal O Dia, por terem ido apurar as atividades das milícias em Bangu.
O incrível é que Dr. Jairinho integrava a Comissão de Ética da Câmara Municipal e era cotado para uma vaga no Tribunal de Contas do Município. Seu suplente é Marcelo Diniz, presidente da Associação de Moradores da Muzema, comunidade em que desabaram dois prédios em 2019 construídos por milicianos, matando vinte pessoas.
Por que razão tantas pessoas ligadas às milícias, como o deputado Daniel Silveira, coronel Jairo, Dr. Jairinho e seu suplente são eleitas no Rio? A resposta é de relatório da própria Polícia Civil: “em determinadas regiões, apenas candidatos apoiados pelo tráfico ou pelas milícias podem fazer campanha”.
Eles representam um segmento da sociedade que defende um Estado policialesco. Com total desfaçatez, Bolsonaro editou, em 2019, o Decreto nº 9.846, prevendo uma série de facilidades para o porte de armas e munições, facilidades ampliadas pelo Decreto nº 10.629/2021.
Neste, “caçadores” ampliam de 12 para 30 as armas que podem ter em seu poder, ao passo que “atiradores desportivos” passam de 16 para 60 armas, sendo que o comando do Exército pode autorizar um número ainda maior.
Já o número de cartuchos que podem adquirir anualmente passou para 5.000 (armas de uso permitido) e 2.000 (de uso restrito). Mas a quantidade pode ser 5 vezes maior, se autorizada pelo comando do Exército, ou seja, um único “atirador desportivo”, com 60 armas, pode adquirir até 1,05 milhão de cartuchos por ano.
Em 2019, o número de pessoas cadastradas como Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) aumentou em 87.986, quase dez vezes mais que o aumento em 2014 (8.988). Não nos iludamos, a ameaça é real.
Num município com conflitos agrários, bastaria 30 latifundiários se autoproclamarem “atiradores desportivos” para formarem um verdadeiro exército privado, com 1.800 homens armados, dispondo de 31,5 milhões de cartuchos. O mesmo pode ocorrer na periferia de nossas metrópoles, controladas pelas milícias e pelos traficantes.
Os bolsonaristas falavam do risco de o Brasil se transformar numa Venezuela, mas trabalham para transformar o Brasil na sua vizinha, a Colômbia. Lá, a realidade é a existência de forças paramilitares, que, associadas aos barões da coca, assassinam lideranças camponesas e sindicais sob o olhar complacente das forças militares e policiais do Estado.
Não nos iludamos, o projeto bolsonarista é transformar o Brasil num Estado policial. Para tanto, busca cooptar, mediante a concessão de privilégios, militares das FFAA, Polícia Federal e policiais militares e civis dos estados. É urgente paralisá-lo.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia