Retratada em filmes que trazem clichês como aluno difícil, escola sem recursos, professor idealista e outros tantos, a profissão de professor é tida como um sacerdócio. Enganam-se os que pensam assim. Como Dom Quixotes, eles lutam para cumprir sua missão na loucura de uma rotina que atenda os filhos dos outros e os seus próprios. No corre-corre dos horários e na busca de metodologias que auxiliem a ensinar e aprender, extenuados e determinados, aproveitam os finais de semana e feriados para colocar em dia os planos de aulas, diários de classe, elaboração e correção de provas e exercícios. Vivem de (e para) o trabalho e, apesar de tudo, nele buscam algum prazer.
O Dia do Professor, 15 de outubro, é celebrado com a categoria em luta para que os profissionais continuem em seus postos de trabalho e para que nenhum aluno abandone a escola. No filme chinês Nenhum a Menos, do diretor Zhang Yimou, uma menina de 13 anos é a única disponível para substituir o professor que entra de licença. Numa escola precária do interior da China, ela recebe uma missão: não perder nenhum aluno durante essa substituição. Tão distante e tão perto. Essa realidade é também a do Brasil.
Salários baixos, condições insalubres de trabalho país afora, conteúdos dissociados da realidade dos alunos, falta de apoio de pais que protegem os filhos em seus erros e criticam o professor, fazem parte do duro dia a dia desses profissionais. O resultado é que muitos adoecem e outros tantos abandonam a carreira.
O professor de português Fábio Lima, 36, trabalha nas séries finais do ensino fundamental numa escola no Paranoá, está na profissão há quatro anos e já pensa em se tornar agente da Polícia Civil. “Todas as profissões exigem vocação e a de professor não é um sacerdócio”, destaca. Para ele o mais interessante “é poder criar novas perspectivas para uma juventude que não enxerga o futuro”, e o mais difícil é a falta de um sentimento de coletividade entre os professores. “Os mais velhos estão desmotivados, cansados, não topam os projetos dos mais jovens”, afirma destacando a falta de condições de trabalho, o pouco reconhecimento da sociedade e “o discurso furado dos políticos”. E finaliza: “Não vou me aposentar como professor”.
Dia 10 de outubro, partes do teto de uma escola caíram sobre alunos em Mossoró (RN). Em abril fato semelhante já havia ocorrido em Samambaia no DF. Na mesma cidade em 28 último, professores abandonaram as aulas com a escola infestada de piolhos oriundos dos ninhos de pombos. No mesmo período, centros de ensino foram tomados por estudantes que querem discutir a reforma do ensino médio e mas não deixam ninguém entrar.
Num país que precisa crescer, há mais de 200 mil professores em escolas públicas dando aulas em disciplinas para as quais não têm formação, 38,7% de um total de 518.313 professores da rede, de acordo com dados do Censo Escolar de 2015, divulgado em março deste ano. Ainda segundo esse levantamento, alguns ministram mais de uma disciplina nessa condição.
O número dos que dão aulas sem estarem preparados equivale a 52,8% do total de 709.546 posições ocupadas por professores. Apenas 47,2% dos docentes têm formação ideal, com licenciatura ou bacharelado com complementação pedagógica na mesma disciplina que lecionam.
Piso baixo e saco cheio
O piso salarial nacional para professores com carga horária semanal de 40 horas é de R$ 2.135,64, de acordo com o Ministério da Educação. Esse valor, associado às demais condições de trabalho, tem desestimulado os jovens a seguirem a profissão. Soldados da PMDF, de mesmo nível de formação, recebem R$ 7.190,98. Já a Federação Nacional dos Médicos estabelece para a mesma carga horária o vencimento básico de R$10.412,00, o mesmo adotado no programa Mais Médicos, por exemplo. Em comum, as três categorias têm o desafio de atender com excelência ao público, em condições muitas vezes adversas. Todas são consideradas prioridade nacional.
A única profissão a ter um inciso na Constituição Federal (artigo 206, inciso V) indicando que o profissional deve ser valorizado, não tem mais gente interessada em ser professor. E, em muitos cursos de nível superior, incluindo os de licenciatura, o 15 de outubro faz parte da desejada “Semana do Saco Cheio”, período de recesso que engloba os feriados de 12 (Dia da Criança e de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil) e 15 (Dia do Professor). Nome sugestivo para quem está cansado de lutar e só é prioridade em discursos políticos.
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